Após o estafante processo de afastamento da ex-presidente Dilma, a poeira ainda não assentou e o Natal já está aí. Papai Noel bem que poderia nos trazer um mata-borrão que apagasse as manchas de tinta do cenário político num passe de mágica. Não vejo outra maneira de colocar ordem num poleiro em que todos querem cantar de galo. Há os que dizem: “Estão vendo? É nisso que dá apoiar golpistas!” Outros vociferam: “Precisamos de um governo forte, isto é, precisamos de militares no poder !”. Outros apregoam ainda a volta de FHC, que jurou não pretender voltar, e enquanto isso as pesquisas apontam Lula na frente numa eventual eleição realizada hoje. Como encontrar um raio de sol em meio a tanta escuridão?
É preciso parar de tratar os eventos políticos como se fossem as reviravoltas de um campeonato de futebol em que as torcidas adversárias se detestam e gastam o seu tempo a falar mal umas das outras. Não há golpistas culpados ou uma possível volta dos militares! Há tão somente um governo que está tentando lidar atabalhoadamente com uma herança maldita constituída por enorme déficit público, inflação em alta e aumento de desemprego.
Não é hora, portanto, de indicar possíveis culpados e promover retaliações e vingançazinhas pessoais. Renan Calheiros é certamente o personagem-símbolo destas picuinhas pessoais de quem administra o país como se fosse um condomínio problemático em que vizinhos acusam vizinhos por tudo: pela sujeira do prédio ou pelo barulho noturno. Não há projetos políticos em curso, mas tão somente estratégias de sobrevivência em meio ao mar de lama provocado pelas cotidianas delações premiadas de executivos e donos de empresa. Também não há como averiguar imparcialmente, à luz da sensatez e da razão, mas ao pé da letra das leis, o teor de veracidade de tais depoimentos. Em se tratando de um salve-se quem puder, dos dois lados há inverdades e incoerências, limitando-se quase tudo a tramoias que visam a “fritar” este ou aquele figurão, político ou empresário.
Entre a apuração dos fatos e as sentenças finais, preferencialmente emitidas por autoridades acima de qualquer suspeita e sem ligações partidárias, deveria haver calma e não gritaria. O vozerio geral insere-se nas tantas estratégias de despistamento a que assistimos cotidianamente pela mídia. Sem paz para julgar com imparcialidade e pressionados pela opinião pública, sempre muito sujeita ao modo como as notícias são veiculadas, juízes e promotores não conseguem exercer o próprio ofício com serenidade e com imparcialidade. Cabeças podem rolar a qualquer momento e, ao despertarem, magistrados e membros da alta cúpula policial precisam certificar-se de que ainda as possuem bem grudadas nos respectivos pescoços.
De certa maneira, a situação que estamos vivendo assemelha-se ao “Período do Terror” da fase final da Revolução Francesa: todos suspeitam de todos e ficamos apenas à espera do próximo a ser guilhotinado, ainda que figurativamente. É claro que, em se tratando de Brasil, certa carnavalização não poderá deixar de existir. Ninguém mais duvida, por exemplo, que Lula, Renan ou até Bolsonaro possam futuramente tecer alianças, tão somente visando à partilha do poder.
O imbróglio político brasileiro ocorrerá indefinidamente? Até quando? Tal qual as almas dos pecadores do Inferno de Dante, não conseguimos enxergar nada numa atualidade que se apresenta tão embaçada e confusa, mas já estamos até desenvolvendo técnicas demoníacas de adivinhação do futuro. Certamente, isto não é de bom alvitre!
*Professor da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp de Araraquara.