Em várias situações do cotidiano, ouvimos que tal sujeito mereceu aquilo: seja a classificação no vestibular, a punição recebida, o emprego alcançado, a prisão declarada ou o fracasso vivido.

Tratamos a meritocracia como algo natural e a-histórico, como se fosse algo independente do contexto cultural socioeconômico, do tempo e espaço no qual a sociedade e cada indivíduo se encontra. E ainda, encaramos a meritocracia, como uma forma justa de analisar e julgar os acontecimentos da vida cotidiana.
Esta matemática classificatória, exprimi que, se o indivíduo trabalha duro, merece ter uma vida digna, com segurança e bem-estar social. Se esforça-se no estudo, merece passar no vestibular. Se sempre buscou aprender outro idioma, merece poder fazer intercâmbio e se aprimorar.
Dentre muitos outros exemplos, podemos em nosso próprio cotidiano identificar situações em que pela lógica meritocrática, as pessoas, majoritariamente, deveriam estar vivendo absolutamente bem, mas ao contrário, presenciamos o sobreviver do dia a dia, na esperança de um amanhã transformado.
Logo, se prova o antagonismo da meritocracia neoliberal, que se transveste como um sistema justo, em que todos possuem as mesmas condições para alcançar os objetivos na vida, bastando apenas à vontade do querer e ir atrás.
Para tanto, um pingado de histórias retratando a superação das condições de pobreza, são disseminadas como contos inspiradores, dando a sensação de que é possível um deslocamento social, bastando o desejo e o esforço. Esses relatos aquecem o coração, mas, pretensamente distorcem a compreensão do mérito, pois, passam a tratar de condições socioeconômicas estruturais, a nível individual. Atribuindo exclusivamente o grau de vontade e iniciativa do sujeito as suas condições existenciais (social, econômica, emocional, territorial).
Como se expressões, tal como a desigualdade social, a guerra civil que o país se encontra, o desemprego, o feminicídio, o aumento dos homicídios, principalmente dos nossos jovens, pobres e negros, não fossem questões coletivas, de conjuntura.
O acesso à universidade pública é um dos grandes exemplos quanto à seleção social realizada pela meritocracia. Em que, o vestibular, não passa de um funil social escancarado, visando barrar o máximo possível de pessoas que não pertençam a determinado grupo societário. Sua construção é baseada em conhecimentos negligenciados/sucateados/negados nas escolas destinadas a classe trabalhadora, ao mesmo tempo em que se rejeitam conhecimentos originários da comunidade, desenvolvidos, expressos e reproduzidos de maneira diversa, em comparação aos conteúdos obrigatórios das grades curriculares.
Paulo Freire já dizia “ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, as pessoas se educam entre si, mediatizadas pelo mundo”, nos ensinando que o ser humano é um ser sócio-histórico, e, portanto, se constitui e se constrói a partir das relações e condições sociais que lhe são oferecidas.
Deste modo, esta meritocracia que propaga o lema “querer é poder”, em um mundo que se instiga o desejo, mas não se socializa os meios sociais, produtivos, territoriais e de conhecimento, para que este desejo se materialize, deixa claro que, hoje, muitas vezes o mérito atribuído, nem sempre está ligado ao mais esforçado ou o mais persistente, mas, àquele que teve oportunidades na vida. E isso, faz toda a diferença.

*Formada em Serviço Social pela Unesp.