Creio que algo seja unânime: qualquer criança no mundo, quando nasce, não tem consciência de si. Ela não sabe se ela nasceu num lar muçulmano, cristão, judeu, hindu, ateu, se ela é indígena, negra, branca, asiática, se ela é brasileira, moçambicana, indiana, ou que o Pelé é melhor que o Maradona, ou vice-versa.

Ela não sabe o que são deuses, santos, padres ou pastores, ela não sabe o que é direita ou esquerda, ela não fala nenhuma língua. Ela não sabe se ela nasce já com R$ 7 milhões em conta ou se foi vítima de um estupro coletivo, ela não difere ninguém por classe social, ela não tem parâmetros de nada. Ela não é violenta pois é livre de qualquer preconceito.

Todo ser humano nasce pré-formatado e a sociedade em que ele cresce o molda. Seu caráter, portanto, vai sendo determinado principalmente por conta do ambiente em que a criança vive, em todos os seus aspectos categóricos: políticos, culturais e econômicos, sobretudo. Um processo chamado educação.

A questão que mora na outra ponta dessa linha chamada vida é justamente, portanto, a falta da educação: em outras palavras, a violência. Essa, sim, é o trabalho final de quando a maioria dos parâmetros sociais falta a um ser humano. Erroneamente, muitos pensam que a violência é a raiz dessas disfunções, e tendem a tratá-la com um agente causador e não como um sintoma. É assim que a violência finalmente nunca é resolvida.
Essa abordagem, além de tudo, mascara inclusive o conceito bem senso comum do que é violência. Geralmente, há a tendência de ligarmos conceitualmente violência à criminalidade, ou seja, a atos brutais que atentam a uma vida alheia. Logo, sob um viés mais político, trago aqui uma perspectiva mais assertiva e interessante: se todos nós vivemos sob a égide de um Estado, aparelhado em suas leis que nos geram deveres e direitos, então esse Estado, quando dito violento, é basicamente aquele que, infelizmente, não só usa seus aparatos de segurança e justiça de forma criminosa contra seus cidadãos como também, e principalmente, quando ele é omisso. É aquele Estado que se nega a educar seus cidadãos, a tratá-los com dignidade, não fornecendo aquilo que basicamente se comprometeu em cumprir na sua Carta Magna (no nosso caso: ensino, saúde e moradia gratuitos e de qualidade para todos).

Um Estado violento, como o nosso, não é aquele que é temido somente pela criminalidade oficiosa que gera, mas também pela omissão de seu papel institucional. Ele tem a chance, todos os dias, a cada eleição, de nos formatar corretamente, para nos tornarmos pessoas melhores, porém insiste em não fazê-lo. Ele não nos educa, logo somos violentos. E por não termos o mínimo de educação, não temos crítica social. Acabamos não saindo da lama em que o nosso próprio Estado nos coloca, deixando um país inteiro sem perspectivas. Sobreviver neste país, no final das contas, é uma luta diária contra um Estado que nos violenta. Então vamos falar sobre o quão criminoso é o Estado brasileiro?

*Professor de Relações Internacionais e consultor geopolítico (online@jcruzeiro.com.br)