Haverá, só neste ano, mais 3,6 milhões de brasileiros vivendo abaixo da linha da pobreza. É impossível (para quem ainda consegue estar saudável dentro deste mundo econômico doente) receber essa informação sem sentir náuseas! Com esses novos pobres, o Brasil chegará a tristes 10 milhões de seres humanos vivendo na extrema pobreza, ou seja, “vivendo” com cerca de R$ 150 por mês.

Os dados são do Banco Mundial, o sofrimento é desses dez milhões de miseráveis, mas a culpa é de todos nós. De cada um de nós, que fazemos parte deste contrato social que visa garantir a vida a todos, mas que, corrompido por nós mesmos, perpetua privilégios para o tradicional 1% mais rico enquanto proíbe o mínimo existencial a esses novos 3,6 milhões de extremamente pobres.
Somos todos responsáveis, tanto por aplaudir a Carta Magna, de 88, que declara ser “objetivo fundamental deste País erradicar a pobreza e reduzir as desigualdades”, quanto por hipocritamente nos submetermos ao individualismo e consumismo desta contemporânea e inovadora ética dos vícios. Mas a nossa contradição testemunhará contra nós! Nós, que somos brancos e ricos, que temos pão e poesia, e enchemos as igrejas semanalmente para ouvir o sacerdote dizer que a salvação é pelo amor ao próximo, porém em momento algum, nós mesmos, fazemos realmente alguma “opção preferencial pelos pobres”.
A classe média não é conservadora, como dizem. A classe média é egoísta! Pois defender a urgência política em favor desses necessitados não é coisa da esquerda, é coisa de qualquer um que tenha um pouco de fraternidade. “Liberté, Egalité, Fraternité”, não por coincidência, é a síntese principiológica aprendida de uma revolução burguesa. Querer menos desigualdade ou ter um olhar fraterno, por isso, não é exclusividade socialista, mas característica de qualquer um que já aprendeu que esta vida não cabe dentro no próprio umbigo.
Ao assistir ao trágico cenário econômico atual, de aumento socialmente consentido das desigualdades e da intolerância contra pobres e demais minorias, é que o teórico polonês questiona: “A riqueza de poucos beneficia a todos nós?” (Zygmunt Bauman). Após derrubar a tese infantil de que do próprio mercado, dominado por aristocratas, surgiria um tipo de autorregulação, de “mão invisível” equilibradora, a pergunta se torna ainda mais profunda: por que aceitamos, século após século, que ainda haja a extrema riqueza e a extrema pobreza?
Nenhuma forma de extremismo é boa. E a fraternidade é a única mão, virtuosa, que pode moderar a sociedade, inclusive materialmente. Por isso, para quem tem a cabeça mais à direita, mas continua tendo algum coração, cabe fazer individualmente o mínimo: estender a mão, de modo voluntário, a quem mais precisa. E para quem, da esquerda, já consegue sonhar e buscar um mundo de maior justiça social, resta mobilizar-se coletivamente: de mãos dadas, denunciar então a ilegitimidade da sociedade e de todas as leis caso os 3,6 milhões, de novos extremamente pobres, continuem sendo tratados como sendo menos importantes do que aquele sempre privilegiado 1% de multibilionários.

*Mestrando em Comunicação (Unesp)