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Quando os filhos brigam e são pegos em flagrante pelos pais, geralmente a reação deles é a de inculpar um ao outro, nunca ou raramente assumindo a própria parcela de responsabilidade no quiproquó. Algo semelhante pode ser verificado no recente depoimento de Marcelo Odebrecht que diz se sentir “o bobo da corte” por ter sido usado para eleger a chapa Dilma/Temer. Ora, nessa “briga” de crianças quem tem a culpa? Se o cidadão comum, o pagador de impostos, com muitos deveres e poucos direitos, assumir o lugar dos pais, quem devemos punir por ter sido o iniciador da contenda? Fica difícil, portanto, dividir o grupinho de fedelhos em bandidos de um lado e mocinhos do outro!
As informações divulgadas recentemente pela mídia nos permitem concluir que houve “caixa 2” no financiamento das eleições que levaram a chapa Dilma/Temer à vitória. Não adianta agora querer refazer ou reformular as leis que regulamentam o financiamento de candidaturas políticas no Brasil, pois o simples fato de o atual Vice-Presidente também ter sido provavelmente eleito por financiamento ilícito deveria levar a lei a retroagir e a impugnar, no passado, quando tudo começou, a candidatura de Dilma e Temer, pois foram escolhidos juntos e não separadamente. Isto dificilmente, mas muito dificilmente, vai acontecer! Por quê?
Porque há vários níveis de corrupção e vários níveis de tolerância ao crime, principalmente, mas não exclusivamente, no Brasil. À diferença de outros países, talvez, no Brasil a corrupção é tida como fato consumado e com o qual se deve conviver, para o bem de todos, pacificamente. A economia não consegue caminhar, como agora está acontecendo, quando juízes com “excessos de escrúpulos” resolvem apurar todos os fatos. Por ser arraigada na cultura do país (por cultura entenda-se “costume”), a convivência com o ilícito torna-se inevitável e até necessária para que, dentro de um processo capitalista de geração de riqueza, seja possível aumentar o bolo indefinidamente e, respeitando a crônica desigualdade, conceder fatias maiores aos poucos que possuem os melhores talheres e conseguem se aproximar mais da mesa, deixando as sobras para os demais.
Corromper e ser corrompido faz parte do jogo. Quando cessa a corrupção, por obra e graça de juízes excessivamente rígidos, não há mais jogo. Os protagonistas da partida “levam a bola para casa” e não há mais brincadeira. É como se, nesse nível de partida, a corrupção, paradoxalmente, fosse uma tática intrinsicamente necessário ao jogo, mais ou menos como o blefe em determinados jogos de carta. Quem não aceitar este “temperinho” extra não pode mais cozinhar e, consequentemente, não pode mais comer.
Quando alguns juízes e procuradores corajosos insistem em trabalhar bem, cumprindo o próprio dever, não deixando de apurar os fatos, mesmo que envolvam empresários “figurões” ou políticos poderosos, acabam inevitavelmente, no contexto de um país controlado pela corrupção, emperrando a economia e, sem intenção, aumentando o desemprego e inibindo o comércio e a indústria, motores do país. A maioria dos empresários espera que a “onda” passe para voltar a produzir e, portanto, a corromper. O poder estabelecido e estruturado de acordo com a máquina estatal também aguarda a poeira assentar para que, ao menos nesse “alto nível”, todos voltem a aceitar a corrupção que move a sociedade, produzindo novamente riqueza e bem-estar.
Alguém poderia perguntar: não seria possível produzir riqueza, gerar empregos e garantir bom nível de vida para todos sem necessariamente corromper ou ser corrompido? Sim, mas para isso seria preciso acabar com a ganância de muitos empresários e com o desejo de riqueza e fulminante ascensão social de vários postulantes a cargos públicos. Na prática, isto equivaleria a desmontar literalmente o país inteiro para tentar reconstruí-lo, peça por peça. Trata-se de um sonho de cuja impraticabilidade é preciso ter consciência, infelizmente, para que não se torne um pesadelo pior do que já estamos vivendo.
*Professor da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp de Araraquara.
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