No início de 2007 foi promulgada a Lei 11.445, a Lei do Saneamento. A ideia era reunir numa só todas as legislações federais da área e modernizá-las, bem como introduzir novos tópicos. O advento da nova lei foi comemorado como um marco para o setor, tradicionalmente carente de atenção da classe política. No caso, entre outros pontos, se colocava a obrigação da redação de planos de saneamento e se estabelecia responsabilidades pelo cumprimento (ou não) da nova lei. Passados dez anos, pouco se avançou e pode-se afirmar que a principal meta oriunda da lei, da universalização dos serviços até 2033 (ou seja, toda a população brasileira ter água tratada, coleta de lixo, coleta de esgoto e tratamento de esgoto), não vai acontecer.

Vamos então aos últimos números, relativos ao ano de 2014, sobre abastecimento de água tratada, coleta e tratamento de esgoto, divulgados pelo Instituto Trata Brasil (www.tratabrasil.org.br). Segundo o Instituto, 83,3% dos brasileiros tem acesso à água tratada. O número aparentemente alto disfarça que há 35 milhões de brasileiros sem esse serviço. Como água é essencial, esses 35 milhões de cidadãos vão tomar água de qualquer jeito, ou seja, podem tomar uma água que não seja potável. Resultado: doenças.
Tão ruim quanto saber esses números é descobrir outro índice relacionado ao tratamento de água: 37% da água tratada é perdida, seja por vazamento, seja por roubo. Ou seja: pagamos para tratar 100 litros mas só recebemos 63, enquanto quase 17% de nós nem um pouco desses 63 litros recebe. Certamente essa água perdida daria para abastecer os que não são cobertos por esse serviço, mas a rede obsoleta que temos e a bandidagem de alguns fazem com que isso não aconteça.
Os números do Estado de São Paulo sobre tratamento de água são melhores que a média nacional: 95,6% dos paulistas têm acesso à água tratada e o índice de perdas é “”só”” de 33,5%. Um total de 98,3% dos sorocabanos recebe água potável, número maior que a média paulista. Já o índice de perdas da cidade se aproxima do brasileiro: 36,6%.
Se você achou ruins os números relativos à água tratada no Brasil, é porque ainda não viu os de esgoto. Segundo o Instituto, 50,3% dos brasileiros têm acesso à coleta de esgoto. Isto é, 100 milhões de brasileiros não têm coleta adequada de suas fezes e urina, bem como da água de seu banho ou da lavagem de roupas, pratos, talheres, etc. E para onde isso tudo vai? Essa é uma ótima pergunta, mas que não tem uma resposta tão boa assim. A única certeza é: vai para a natureza, seja no solo, seja num córrego, riacho ou rio. Resultado: doenças.
Uma coisa é coletar esgoto, outra é tratar esse esgoto para que, mesmo se coletado, ele não seja foco de doenças. Em termos de tratamento de esgoto, o Brasil se supera: só 42,67% dos esgotos brasileiros são tratados.
Os números paulistas de coleta e tratamento de esgoto são, respectivamente, 88,4% e 61,2%. Um exemplo: a cidade mais rica do país, a capital do Estado de São Paulo, tem percentuais altíssimos de sua população com água tratada (99,2%) e com coleta de esgoto (96,3%), mas vergonhosos 55,5% de tratamento.
Certamente esses números, bem aquém do que merecemos como cidadãos e contribuintes, é um retrato de quão prioritário o tema “”saneamento”” é encarado por nossos governantes. Nas últimas décadas temos visto uma discussão maior sobre o tema, notadamente por sua forte relação com saúde pública. Legislações como a Lei do Saneamento vieram para tentar colocar ordem na casa e fazer com que o poder executivo faça a sua parte, inclusive para recuperar décadas de descaso no setor.
Porém, essas discussões e legislações não foram acompanhadas por um aumento concreto nas ações nesses últimos 10 anos. Azar o nosso e, principalmente, dos milhões de brasileiros esquecidos.

*Professor da Unesp-Sorocaba (mancini@sorocaba.unesp.br)