A democracia é, ou deveria ser, o regime de construção de um Estado compartilhado. O sistema em que a participação positiva de todos aprimorasse a coisa pública. Como um sonho em que a sociedade e os governantes, solidariamente, trabalhassem pelo bem comum. No Brasil, infelizmente, não tem sido dessa forma, seja pelo patrimonialismo, pelo patriarcalismo, pela escravidão, e tantos outros fatores. Por aqui, os exercentes do poder, os governantes, via de regra, atuam como senhor absoluto e dono das coisas do Estado e do povo.

Em momentos distintos o Brasil enfrentou diversos escândalos e foi vítima de inúmeras rupturas governamentais. Recentemente, tivemos dois processos de impeachment com a participação decisiva do povo. No primeiro, do presidente Collor, liderados pelas instituições civis (Confederação Nacional dos Bispos do Brasil-CNBB), (Associação Brasileira de Imprensa-ABI), Ordem dos Advogados do Brasil-OAB, etc.), pintamos as caras e marchamos pelas ruas para fazer desembarcar do poder um presidente envolvido em esquema de caixa dois de campanha. No segundo, da presidente Dilma, impulsionados pelas redes sociais, vestimos o amarelo e lotamos as ruas para afastar aquela que pedalou sobre as contas públicas e está envolvida no maior sistema de propinas do Brasil. Como não bastasse, estamos na iminência de um terceiro processo de impeachment, do atual presidente Temer, suspeito de ter recebido mais de quarenta milhões irregularmente de empreiteiros contratados e remunerados pelo Estado.
Estamos nos tornando especialistas em desapropriações de poderes, ficamos craques em impeachment, mas isso só não basta. Desde o impeachment do presidente Collor estava clara a necessidade de mudar o País em muitas coisas, desde então já se fazia necessário uma reforma política, além das outras reformas federativa, tributária, previdenciária, trabalhista, administrativa, etc. E, desde então, nenhuma proposta concreta da sociedade, hoje mais desorganizada do que nunca, foi apresentada.
Uma sociedade sem propostas e um projeto firme de país é acéfala e facilmente dominada. O Brasil mudará mesmo quando a sociedade expor nas ruas o projeto cristalizado de um Brasil verdadeiramente republicano e democrático. E, para tal, será preciso resgatar a capilaridade social das instituições civis como a CNBB, a Maçonaria, a ABI, OAB, sindicatos dos empresários e trabalhadores, associações, universidades e tantas outras, para debater e construir o Brasil do futuro. Essas inanições de nossas entidades civis tornaram-nos reféns de movimentos de redes sociais frágeis e efêmeros.
Um país à deriva, esse é o Brasil hodierno. Sem partidos e políticos confiáveis e com uma sociedade civil desorganizada e incapaz de apresentar alternativas ao quadro político absolutamente enfermo e terminal. Como sempre, buscamos nomes. Quem será o próximo líder, o presidente da nação? Passaremos os próximos meses debatendo nomes e nenhuma ideia, nenhum sistema, nenhum projeto. Tudo em um populismo que nos sufoca e angustia.
É preciso construir um País em torno de projetos e ideais e ao largo de nomes nesse momento. A sociedade precisa assumir o seu papel na República, compreender que o Estado lhe pertence, e, como dono, ditar os seus desígnios.
É preciso que a sociedade apresente, nesse momento, mais do que lamúrias e espantos, projetos firmes e reformadores no campo político, federativo, administrativo, tributário, trabalhista e previdenciário.
É preciso dizer, o povo e as nossas instituições civis organizadas, com todas as letras, que Brasil queremos! Esperar isso dos pseudos líderes políticos é ressaltar o caráter patriarcal e patrimonialista que nos acorrenta desde o descobrimento.
Vamos, povo, construir o Brasil. Sim, nós podemos!

*Advogado