A apertada vitória eleitoral de Lenin Moreno, candidato apoiado pelo atual presidente equatoriano Rafael Correa, revela a polarização política no país andino. Seu rival, o banqueiro Guillermo Lasso, contou com forte apoio tanto de setores mais conservadores ligados ao mercado financeiro e até de movimentos indígenas e ambientais, que haviam rompido com o governo decorrer da chamada “Revolução Cidadã”.
Embora aglutinasse muitas forças em torno de sua candidatura, Lasso não convenceu a maioria dos eleitores de que suas propostas liberalizantes manteriam os benefícios sociais trazidos por Correa. Sendo uma das nações mais pobres do continente sul-americano, o Equador ganhou destaque internacional durante a última década, passando por um processo de reforma constitucional com ampla participação popular, com a inclusão de cláusulas bastante avançadas em termos sociais e ambientais.
A Constituição equatoriana foi pioneira em tornar a natureza, na figura da Pachamama (Mãe-Terra), um sujeito de direitos, incorporando, portanto, elementos importantes das culturas indígenas que compõem o país. O economista Rafael Correa, mandatário responsável por essas mudanças, ficou conhecido por sua aliança regional com o líder venezuelano Hugo Chávez, com quem dividia uma retórica anti-americana e anti-imperialista. Envolvido em polêmicas devido à sua difícil relação com os meios de comunicação, tem como marca de sua gestão a melhoria dos índices sociais e um governo altamente personalista.
Em sua política externa, o Equador se aproximou economicamente da China, a quem vendia seu principal produto, o petróleo, e procurou diversificar as relações a fim de diminuir sua dependência do mercado norte-americano. Sem a possibilidade constitucional de concorrer à reeleição novamente, Correa fomentou a candidatura de Moreno, que fora seu vice-presidente e cuja principal bandeira é a inclusão de pessoas com necessidades especiais. Sua luta foi reconhecida pelas Nações Unidas, motivo pelo qual se afastou da vice-presidência em 2013 para dedicar-se ao programa para Deficiência e Acessibilidade da organização.
Embora eleito sob o signo da continuidade de um projeto, Moreno também representa uma renovação em um movimento muito centrado na figura de Correa. Já o candidato Lasso, por sua vez, fez parte de governos anteriores e corporificava um retorno ao passado. Os dez anos de Correísmo foram suficientes para que a sociedade se dividisse entre apoiadores e opositores ao governo, o que tornou a disputa eleitoral ainda mais acirrada.
Durante o primeiro turno, as pesquisas apontavam para uma possível vitória de Lasso, porém durante a contagem dos votos delineava-se a necessidade de segundo turno. Houve contestação dos resultados, com denúncias de supostas fraudes por parte do Conselho Nacional Eleitoral, que teria beneficiado o candidato do governo.
Os protestos acalorados fizeram com que os resultados oficiais fossem atrasados em alguns dias e, por fim, confirmaram que por uma pequena margem seria preciso um segundo turno. Como novamente os resultados indicaram pouca diferença entre os concorrentes, podem ocorrer novas movimentações de oposição ao resultado.
Em um contexto regional de ocaso de governos de esquerda, o Equador demonstrou que, ao menos eleitoralmente, a Revolução Cidadã teve fôlego para suplantar a oposição. Isso não significa, contudo, que será fácil para Moreno dar continuidade às políticas de Correa.
A conjuntura atual é bem menos favorável e, apesar dos avanços, ainda há muitos desafios internos a serem superados, em especial agora que as investigações em torno da atuação da Odebrecht no país estão ganhando mais relevância. Um cenário bastante semelhante ao do Brasil pós-eleições de 2014.
*Mestre e doutoranda em Relações Internacionais pelo Programa San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP e PUC-SP)