Marcos Cordeiro Pires *
Luís Antonio Paulino**
Nos dia 14 e 15 de maio o governo chinês organizou em Pequim o “Belt and Road Forum for International Cooperation”, a reunião de cúpula que reuniu 28 Chefes de Estados de diversos países, como a Rússia, Espanha, Itália, Vietnam, Filipinas, Argentina, Chile, Cazaquistão, Etiópia, Quênia, etc., além do Secretário Geral do ONU e dos dirigentes do Banco Mundial e FMI. O objetivo do encontro foi o de debater as potencialidades de cooperação no entorno das novas “rotas da seda”, que tratam de criar uma forte infraestrutura para potencializar a economia na Ásia Central, no Sudeste Asiático e na costa do Oceano Índico e integrá-las ao continente europeu.
A iniciativa conhecida como “Um Cinturão, Uma Rota”, proposta pela China em 2013, é um ousado projeto econômico e geopolítico com o propósito de ampliar e fortalecer a cooperação regional. Envolve 68 países: China, Mongólia, Rússia, Ásia Central, Ásia Ocidental, Península da Indochina, que no seu conjunto respondem por 65% da população mundial, 35% do comércio internacional, mas por apenas 30% do PIB, o que revela seu enorme potencial de crescimento. Ele possui dois braços: terrestre e marítimo, respectivamente o Cinturão Econômico da Rota da Seda e a Rota Marítima da Seda do Século 21. O primeiro visa ligar a China com a Europa através da Ásia Central e Ocidental por rotas terrestres. O segundo visa conectar a China com outros países da Ásia, África e Europa por rotas marítimas. O projeto envolve seis grandes regiões ou corredores econômicos: (1) o corredor ligando China, Ásia Central, Rússia e Europa (Báltico); (2) o corredor ligando China, Ásia Central, Oriente Médio, Golfo Pérsico e Mar Mediterrâneo; (3) o corredor ligando China, Sudeste Asiático, Subcontinente Indiano e Oceano Índico; (4) o corredor ligando China e Paquistão; e Bangladesh, China, Índia e Mianmar; (5) o corredor continental da Eurásia; e (6) o corredor ligando China, Mongólia e Rússia.
Trata-se de uma estratégia que tem por foco a interconectividade e a cooperação primeiramente entre os países da Eurásia e tem por objetivo construir uma rede de comércio e infraestrutura em uma espécie de rejuvenescimento da antiga Rota da Seta. As principais ações previstas nesse projeto referem-se à construção de infraestrutura de transporte e comunicação. A iniciativa do “Um cinturão, Uma Rota” é parte dos esforços que o governo da China vem desenvolvendo para fortalecer a cooperação regional na Eurásia e não pode ser dissociada de outras iniciativas com o mesmo propósito já em funcionamento como a recente criação do Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (em inglês: Asian Infrastructure Investment Bank – AIIB) do qual o Brasil é inclusive um dos sócios fundadores ao lado da China, Rússia, Índia e África do Sul.
Para apoiar o financiamento da Iniciativa, o governo chinês criou o Silk Road Fund, em 2014, com a previsão de investimentos da ordem de U$40 bilhões e também estruturou o Banco de Desenvolvimento em Infraestrutura da Ásia (Asian Infrastructure Investment Bank – AIIB), que tem por finalidade complementar o Banco Asiático de Desenvolvimento (ADB) em projetos de investimentos em infraestrutura. Estima-se que a demanda anual de investimentos nos países da Ásia para que estes superem o subdesenvolvimento seja de aproximadamente US$1,7 trilhão por ano. Com o aporte da China, países que não possuem recursos vis-à-vis às suas necessidades podem ter acesso a fontes de financiamento e tecnologias de construção pesada oriundas da China. Exemplo disso é o Laos, onde está sendo construída uma ferrovia estimada em US$6 bilhões, quando o PIB do país alcança apenas US$12 bilhões. Sem os recursos da Iniciativa “One Belt, One Road” dificilmente este país poderia construir uma ferrovia que integre sua capital Vientiane aos fluxos comerciais do Sudeste Asiático e da China.
Do ponto de vista da economia chinesa, esta Iniciativa possui um caráter anticíclico para a indústria de bens de capital da China e também de suas grandes empresas de construção civil, visto que depois de 2013 o país vem sofrendo os efeitos do excesso de capacidade produtiva em muitas áreas, notadamente no setor imobiliário. Por outro lado, para os demais países envolvidos nesse projeto pode ser uma importante oportunidade para integrar-se às cadeias globais de valor que se desenvolvem na Ásia.
Seus efeitos sobre a América Latina dependerão do quanto essa maior integração produtiva na Eurásia poderão resultar em desvio ou criação de comércio em relação a outras regiões do mundo. É preciso destacar que a Ásia já é o principal parceiro a América Latina e que o comércio entre as duas regiões apresenta elevado grau de complementaridade. É possível que essa maior integração produtiva ao nível da Eurásia torne a China menos dependente da importação de algumas commodities de regiões mais distantes, o que poderia afetar negativamente o comércio com a América Latina. É preciso considerar, contudo, que o crescimento sustentável da Ásia a longo prazo representará igualmente novas oportunidades de exportações, sobretudo de alimentos.
Em suma, as mudanças estratégicas da China terão impactos significativos no cenário político e econômico mundiais. Para os países periféricos dependentes da exportação de commodities as perspectivas se apresentam desafiadoras.
* Especialista em Economia Política Internacional. Coordenador do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais da Unesp. Professor da Unesp de Marília
**Especialista em Economia Chinesa. Diretor do Instituto Confúcio na Unesp. Professor da Unesp de Marília