“O homem mais poderoso do mundo é um “troll” das redes sociais” Pankaj Mishra
No matter how much I accomplish during the ridiculous standard of the first 100 days, & it has been a lot (including S.C.), media will kill! Donald J. Trump (em sua conta no Twitter)
No dia 30 de abril de 2017, Donald J. Trump completou 100 dias como Presidente dos Estados Unidos da América. É um momento em que tradicionalmente se faz uma análise. É o momento tanto de avaliar e contabilizar “o que foi prometido” vs. “o que está sendo feito”. É também a chance de encontrar algum indício empírico desvendando o que propõe o governo Trump tanto na dimensão de sua política doméstica como na política externa.
Desde do primeiro discurso presidencial televisionado de Truman, em outubro de 1947, tanto os presidentes quanto a Opinião Pública monitoram e valorizam a “popularidade” e a capacidade do presidente de se destacar e mobilizar o “povo” a seu favor e em torno de sua agenda de governo. Neste aspecto, dois pontos a destacar no caso de Donald Trump. O primeiro é que dificilmente os EUA já teve um presidente tão preocupado com sua imagem e tão obcecado com “o que as pessoas pensam sobre ele” como é o caso de Trump. Mantendo a atmosfera de campanha permanente (inclusive pedindo contribuições, doações e apoio a seus eleitores) e de reality show, mantendo seus quase 30 milhões de seguidores de uma rede social informados às vezes na forma de um “diário” e outras, na forma de um “observador e comentarista de si mesmo”, fazendo comentários provocativos, tentando “chamar atenção” como uma “celebridade” que precisa se sentir no centro dos holofotes. Sem uma avaliação clínica completa e oficial, apenas se pode especular que talvez Trump seja o primeiro presidente que poderia ter o diagnóstico de “narcisista patológico” ou na melhor das hipóteses como classificou Dale Beran, Trump é um “símbolo da insegurança de uma geração de “meninos homens” que mergulhada no universo virtual (de trolls, animes, pornografia, fóruns da direita alternativa e games) criam uma “cultura que celebra o fracasso” e que age com desprezo pelos sentimentos alheios.
Alguns comentaristas argumentam que há evidências claras de um quadro patológico em Trump. Há tanto evidências que os assessores mais próximos precisam “filtrar” as notícias antes de levá-las ao presidente como todo o debate sobre “pós-verdade”, direita alternativa e até mesmo de “fatos alternativos” que recorrentemente aparecem nas falas de Trump e de seus assessores responsáveis pela “comunicação” de seu governo.
Nestes 100 dias, Trump declarou “guerra à imprensa”. O primeiro ato de guerra foi logo após a posse quando – para além de qualquer evidência – não reconheceu e, pelo contrário, pediu que fosse reforçada, a ideia de que o evento de sua pose foi o evento de maior audiência da história dos EUA. Em seguida, quando a investigação sobre a influência (e apoio) do governo da Rússia à campanha de Trump ganhou publicidade, a reação do presidente foi de classificar a mídia como “inimiga do povo americano”; restringiu ou proibiu o acesso de alguns repórteres a suas coletivas e chegou a ponto de atacar instituições de seu próprio governo, como o FBI, que faz o papel da polícia federal nos EUA. As evidências do envolvimento russo com a campanha de Trump dão dimensão de um escândalo muito mais grave que outros escândalos recentes que derrubaram ou quase derrubaram governos como o caso do Watergate de Nixon nos anos de 1970 ou de Bill Clinton e suas “relações impróprias” nos anos de 1990. Por hora, Trump perdeu alguns de seus secretários, incluindo alguns nomes de sua mais alta confiança como o general Michael Flynn, seu assessor nacional de segurança e que era especulado como um forte nome para ser o vice na chapa presidencial. Trump não só nega o escândalo como “parte para o ataque”, levantando suspeitas e alardeando conspirações em torno de senadores (tanto democratas como republicanos) e chegou mesmo a comparar em termos de “como a política é feita” os EUA com a Rússia, argumentando em linhas gerais que” fins justificam os meios”.
Todo este desgaste fez dos primeiros 100 dias de Trump talvez também os mais “longos” da história contemporânea dos EUA. O clima de “war zone” que cercou Trump o fez também o presidente mais impopular da história moderna em começo de mandato. Segundo instituto Gallup, quando a pergunta é você “aprova” ou “não aprova” o trabalho do presidente Trump, o “não aprova” manteve acima de 50% em praticamente todo o tempo. Na média destes 100 dias, 41% aprovam Trump. Historicamente é a pior avaliação desde o final da II Guerra. Jimmy Carter, que muitos conservadores não titubeiam em escolher como “o pior presidente” tinha aprovação de 69% e o Reagan, que seria “o melhor presidente”, teve 60% de aprovação em seus 100 primeiros dias.
Apesar de toda ilusão de grandeza e de autoafirmação, Trump e seus assessores mais próximos perceberam que estavam afundando – e muito rápido – e passaram a apostar numa guinada, que ficou mais clara na política externa. Se antes o “inimigo” parecia ser a China e seu caráter manipulador monetário, o “amigo” era a Rússia e sua eficácia e comprometimento no combate ao Estado Islâmico, a guinada ocorreu, com a aproximação e nova influência do general H.R. McMaster, seu novo assessor de segurança nacional, bem como, graças a certo afastamento da influência do assessor político, Steve Bannon, o que culminou no dia 6 de abril no ataque por parte dos EUA com mísseis a uma base militar de forças leais a Bashar al-Assad, desagradando os “amigos” russos e sobretudo desagradando a base ideológica até então de Trump formada por paleoconservadores, nacionalistas e a “alt right”. Patrick J. Buchanan , um dos intelectuais desta base, passou a classificar os “100 anos de Trump” como uma miragem, uma ilusão, um governo que poderia ter colocado os interesses dos EUA em primeiro lugar sem pecar a tentação de ser “polícia do mundo”. Já Charles Krauthammer, não exatamente um crítico de Trump mas um dos intelectuais de linhagem neoconservadora, classificou o ataque como o momento que os EUA acordou, depois de quase 100 dias de sono.
O “despertar internacionalista” de Trump parece avançar. Trump atacou de forma dura bases do Estado Islâmico no Afeganistão, usando pela primeira vez a chamada “mãe de todas as bombas”, a GBU-43/B. A administração também sinaliza para um endurecimento ao regime da Coréia do Norte e volta a dialogar com antigos aliados como Japão, Coréia do Sul e a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).
No campo doméstico Trump tenta reagir buscando parecer mais como Reagan (e talvez menos como Nixon), propondo “cortes de impostos” e a volta do aquecimento e dos empregos na economia dos EUA. Sua estratégia de confrontação e intimidação com o congresso e com sua base republicana já se mostrou incompetente. Trump não conseguiu exatamente o que queria em termos de enterrar o Obamacare, de barrar refugiados e imigrantes muçulmanos e de construir o muro na fronteira com o México. Seu governo fala agora em planos mais amplos e gerais como o de levar “segurança para as fronteiras” de “corrigir” problemas no Obamacare e de fazer concessões no caso dos refugiados e da imigração. Mesmo assim, a carta do “protecionismo” e do fácil discurso do “nacionalismo econômico” estão ainda vivos.
Trump já mostrou que sempre usara o ataque como estratégia de defesa. Seu recorte político é muito mais entre “establishment” vs. “outsider” do que entre “direita” e “esquerda”, o que nos faz ter mais dúvidas do que certezas sobre sua “real agenda de governo”. Cedo ou tarde com os outros tantos dias que teremos até o fim de seu mandato talvez o que fique é a certeza que a plataforma de Trump é, e sempre foi, vazia. Ela é construída ao sabor de suas interpretações, seu temperamento, seu ego, seus interlocutores de ocasião e seu auto afirmado, “talento único” de negociador invencível.
*Doutor em Ciência Política pela Unicamp e pesquisador do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais (IEEI) da Unesp, professor de Relações Internacionais do Centro Universitário Senac