Diz Cecília Meireles em seu poema Amém: “Fala-se com os homens, com os santos, consigo, com Deus… e ninguém entende o que se está contando e a quem…”. 

Quando o publicou, em 1942, a poeta antecipou o que alguns teóricos da comunicação, nas últimas décadas, têm constatado: apesar dos inúmeros meios de comunicação, e cada vez mais ao alcance das diversas vozes, somos marcados pela imensa dificuldade de nos comunicar uns com os outros. Falar tanto e a tantos parece não ser o suficiente para cumprir o propósito da comunicação: a comunhão entre saberes e seres antes separados.
Uma evidência é a delicada relação entre as religiões, principalmente no Brasil, em que uma multiplicidade delas convive. A dificuldade em comunicar é tanta que nos impossibilita de enxergar as proximidades que existem até mesmo nas religiões que parecem mais distantes, como apresentam autores como Joseph Campbell e Rubem Alves. E essa tensão não está somente na concorrência para angariar mais fiéis, mas também nas pautas políticas que se tornam importantes dependendo da fé que se tem.
Adicionamos mais um fator: se entendermos fé como conjunto de crenças, essas relações delicadas se ampliam para além das religiões assim organizadas. Afinal, todo mundo acredita em alguma coisa, ainda que não tenha nada a ver com espiritualidade. É por isso que, hoje em dia, vemos inúmeros debates políticos cujos fios condutores de eletricidade são as crenças das religiões e, também, as que se opõem a elas, ainda mais agora, que presenciamos, no Brasil, a reaproximação entre religiosidade e política. O grande problema é que todos falam, mas ninguém se entende. E não se entendem pela inútil tentativa de impor uma ideia como absoluta e, assim, eliminar a do outro — o que impossibilita o diálogo, a comunicação.
Um exemplo são as discussões entre grupos religiosos que são contra e os grupos que são a favor de pautas políticas polêmicas, como a legalização do aborto. O que está por trás do querer ou não querer que alguma pauta avance? A nosso ver, as respostas a essa pergunta favoreceriam muito mais o diálogo e o entendimento que os gritos de não ou de sim que tanto ouvimos ou mesmo bradamos por todos os lados, na ânsia do impor.
Isso porque, entre o certo e o errado, o a favor ou contra, existe um universo inteiro de medos, inseguranças, dores, cicatrizes, experiências e, claro, ignorâncias. Sobre esse universo, poucas palavras são ditas, até mesmo nas instituições midiáticas que deveriam nos possibilitar mais olhares. É claro que argumentos são bem mais fáceis de articular, no entanto, tornam-se improdutivos na medida em que não curam feridas, não acalmam preocupações e, sobretudo, esquecem que não pensamos apenas com a razão, mas também com o coração. E essa é outra linguagem, muito mais difícil que a dos argumentos, mas que precisamos urgentemente aprender.
Compreender o diferente e, até mesmo, o opositor, com nossas sensibilidades, é mais do que necessário, é urgente. Requer disposição e exercício de alteridade. O diálogo entre as religiões, e com elas, é mais do que possível — como nos mostram Joseph Campbell e Rubem Alves — é urgente em nossa atual situação. E o possível habita na coragem de reconhecer nossas próprias contradições e falhas, para, assim, acolhê-las em nós e nos outros. Acolher, de maneira alguma, significa apoiar ou concordar, mas possibilitar que o amor dê seus frutos, antes que o ódio mate. Se quisermos ganhar todos os debates, ignorando as pautas do outro, o ódio certamente será o caminho a seguir. Mas, se o ódio tem mais poder, o amor tudo pode. Não podemos negar, nem esquecer.

*Jornalista e mestranda em Comunicação e Cultura pela Universidade de Sorocaba (Uniso)