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Quanto mais conhecemos o sistema legal dos EUA, mais cresce o inconformismo com o nosso equivalente. A começar pela primeira frase das duas Constituições – enquanto a Americana inicia com “Nós, o povo…”, a nossa bem mais recente e portanto com a chance de ser bem mais adequada aos tempos atuais, inicia com “Nós, os representantes do povo,…”. A diferença é mastodontica, pois enquanto na Americana o povo comanda e o poder público e os politicos são a ele subordinados, no Brasil o poder público se acha identidade maior a qual o povo é subordinado.
O sacrifício da Independência Americana que decepou quase um terço da população das colonias americanas numa guerra sangrenta que só teve fim graças ao apoio decisivo de Lafayette e os franceses, se manifestou na Constituição que curta e incisiva proclamava a superioridade suprema do povo sobre os demais setores da sociedade – políticas ou religiosas. O ‘Founding Fathers’ ou ‘Pais da Pátria’ deram prioridade ás aspirações do povo, agora liberto do poder autocrático das monarquias absolutistas européias da época, para que nunca mais situação semelhante se repetisse no novo país.
Assim, a Segunda Emenda, diz claramente “A intenção do Governo não é dar direitos para o povo. Os direitos são inalienáveis e inerentes ao povo .O que se espera do governo é que Proteja estes direitos. ” Com isso a Constituição Americana se livrou da incumbência de ter que descrever todos os direitos aos quais o povo é merecedor e focou – e o faz até hoje – na intenção da lei, nas aspirações daqueles que a redigiram.
O respeitado e recentemente falecido juiz da Suprema Corte Americana, Antonino Scalia teve o seu momento mais brilhante no voto decisivo do julgamento referente à interpretação desta Segunda Emenda, relativo ao direito de portar armas, utilizando o espirito da lei alem dos seus dizeres. Diz a Emenda de 15 de Dezembro de 1791 sobre quem tem o direito de portar armas: “Uma bem regulamentada Milicia, necessária à segurança de um Estado livre, o direito do povo de manter e portar Armas, não será infringido”.
Por incrível que possa parecer, Scalia se ateve à segunda virgula para dar seu parecer. Segundo ele, “O prefácio da Emenda anuncia um propósito, mas não limita ou expande o escopo da segunda parte, a clausula operacional. O texto desta clausula e seu histórico demonstram que diz respeito ao direito individual de possuir e portar armas”.
A decisão da Suprema Corte aproveitou Scalia e estabeleceu que “A segunda Emenda protege o direito de possuir uma arma, sem nenhum relacionamento com o serviço numa milicia e usar esta arma para seu propósito tradicional e legal, como de auto-defesa dentro de casa pois a intenção dos Founding Fathers era prevenir que o Governo Federal desarmasse o povo para que um (eventual) exército nacional pudesse passar a governar. Para isso tiram do Congresso o poder de negar o direito individual de manter e portar armas, garantindo o ideal de uma milicia dos cidadãos”.
Quando colocamos esta forma de setenciar junto com o sistema legal de utilização do precedente já julgado, surge algo básico – a Consistência – que desagua na Confiança nas Instituições, fundamental para o bom funcionamento de uma sociedade. Infelizmente ao não adotar algo semelhante a esta ‘sumula vinculante’ da Suprema Corte Americana, nosso STF proporciona a oportunidade de sucessivas decisões conflitantes que eliminam qualquer percepção de Consistência e geram Insegurança Jurídica, situação esta ainda potencializada no fatiamento do Supremo em turmas decidem podem decidir de forma antagônica, algo exclusivo nosso – nos EUA decisões das Suprema Corte Federal e estaduais são sempre tomadas por todos os juizes que as compõem.
Outra diferença é que a Suprema Corte Americana julga só casos Federais e Constituicionais enquanto nosso STF julga até casos de Habeas Corpus tornando-se na realidade numa quarta instância apelatória que pela demora pode tornar prescrito o delito ou crime cometido pelo alto volume de processos a que cada juiz do STF é incumbido que podem causar atrasos de décadas para casos ‘fora dos holofotes’. E aí se criam outras percepções negativas: Impunidade e Privilégio.
Os membros do Judiciário Americano são funcionários do povo e autoridade apenas no Forum sendo cidadãos comuns fora dele – não é incomum que alguns sejam presos por dirigir embriagados. Por outro lado, mesmo os de Primeira Instância Federal nos estados têm poder de sustar medidas provisórias ou decretos presidenciais como os de Trump atualmente, até que julgados pela Suprema Corte. Cabe à Presidência aprovar estas medidas no Congresso o que tira todo o poder de contestação no Judiciário. Todos os juízes estaduais são (re)eleitos a cada quatro anos na Primeira Instância e na Segunda Instância e Suprema Corte Estadual são nomeados pelos governadores, vindos de Instâncias inferiores – Primeira e Segunda respectivamente. Idem nas cortes federais até a Suprema Corte onde os juizes são nomeados pelo Presidente instâncias inferiores.
O que possibilitou a Carta Magna Americana ser tão atual e resumida é a liberdade que os Juízes da Suprema Corte têm de Interpretar na intenção da lei evitando que cada possivel novo caso vire um código, uma artigo a ser anexado à lei já vigente resultando no calhamaço como a nossa Constituição e também o surgimento de xiitas juridicos – juízes ou auto proclamados especialistas (Reinaldo Azevedo) que se atem excluisivamente aos dizeres da lei na defesa do ‘Estado de Direito’, algo muito relativo. No Julgamento de Nuremberg dos criminosos nazistas, o juiz da Suprema Corte Alemã Nazista, Ernst Janning, se declarou culpado pois apesar de estar seguindo as leis decretadas pelos nazistas e portanto o ‘Estado de Direito’ da época, reconhecia saber a intenção destorcida destas leis visando o genocídio do Judeus.
Seria bom ver nossa Corte Máxima seguir os caminhos de exemplos bem sucedidos como a dos EUA, sem correr o risco de comprometer o alto respeito e admiração de toda sociedade, por vezes substituídos por percepções de Inconsistência, Impunidade e Privilégios que geram Insegurança Jurídica – hoje o principal impecilho para o desenvolvimento do país rumo ao primeiro mundo.
*Economista (USP), mestre em Marketing (Michigan State), doutorando (Cibu-San Diego), professor das Faculdades Reges – musattiroberto@hotmail.com
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