A vendedora Patrícia Maciel, de Belo Horizonte, esperava receber o dinheiro de suas duas contas inativas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) no dia 10 de março, conforme anunciado pela Caixa Econômica Federal para quem tem conta poupança no banco. Ela nasceu em fevereiro e estava no primeiro mês de recebimento do calendário de saques. No entanto, uma delas ela conseguiu sacar duas semanas depois e a outra até hoje está esperando o dinheiro ser liberado.

Assim como ela, outros beneficiários nascidos em janeiro e fevereiro se queixam que ainda não receberam ou não conseguiram sacar o dinheiro. Há relatos ainda de dificuldades para fazer a atualização dos dados cadastrais e até de fraudes nas contas correntes. Esses trabalhadores acabam tendo que fazer várias viagens até as agências para resolver as pendências. E em alguns casos nem falando com a Ouvidoria elas são solucionadas.

 

Aumento de reclamações

 

Essas dificuldades aparecem no balanço do Reclame Aqui, que mostra crescimento no número de reclamações contra a Caixa Econômica Federal desde o anúncio da liberação do saque das contas inativas, no final do ano passado.

Durante o ano passado, o total de reclamações envolvendo o FGTS foi de 920. E neste ano já são 642 até o dia 9 de abril, ou seja, 70% do total de 2016 já foi atingido nos primeiros três meses do ano.

Os beneficiários começaram a retirar o dinheiro em 10 de março. E foi justamente o mês passado que registrou o maior número de reclamações neste ano: 267.

A maioria dos reclamações é de pessoas que têm dificuldades de regularizar seus cadastros para receber o FGTS e de pessoas que esperavam que o dinheiro caísse automaticamente nas contas da Caixa, mas que não receberam os valores.

 
 

Balanço do Reclame Aqui sobre número de queixas recebidas sobre FGTS entre 2016 e 2017 (Foto: Editoria de Arte/G1)

Balanço do Reclame Aqui sobre número de queixas recebidas sobre FGTS entre 2016 e 2017 (Foto: Editoria de Arte/G1)

Tem direito a sacar o dinheiro do FGTS quem pediu demissão ou foi demitido por justa causa até 31/12/2015. Uma conta fica inativa quando deixa de receber depósitos da empresa devido à extinção ou rescisão do contrato de trabalho. O trabalhador, no entanto, não pode sacar o FGTS de uma conta ativa, ou seja, que ainda receba depósitos pelo empregador atual.

Os saques devem ser feitos de acordo com um calendário estabelecido pela Caixa que leva em conta a data de nascimento do trabalhador. Quem nasceu em janeiro e fevereiro pôde começar a retirar já a partir de 10 de março. Desde o dia 8 já podem retirar o dinheiro os nascidos em março, abril e maio. Veja o calendário abaixo:

 

 (Foto: Editoria de arte/G1) (Foto: Editoria de arte/G1)

(Foto: Editoria de arte/G1)

Segundo a Caixa, as pessoas que não conseguirem fazer a retirada do dinheiro dentro do seu mês do calendário e nem até 31 de julho não conseguirão fazer o saque em outra data.

 

‘Vou pegar a fila de abril’

 

Patrícia só conseguiu sacar o dinheiro de uma das duas contas inativas 14 dias depois da liberação do saque, mesmo estando com os dados cadastrais corretos. “Pelo menos essa era de maior valor”, diz. Na outra conta ainda pendente, ela teve que corrigir a data de desligamento do emprego.

Depois de não conseguir sacar seu dinheir no dia 10 de março, ela retornou à agência no dia seguinte e o atendente não lhe deu justificativa para o dinheiro não estar liberado. “Ele disse que estava em processo de liberação, que no dia 10 isso tinha acontecido com várias pessoas e falou pra eu voltar em 15 dias porque eles não sabiam dar a informação”, conta.

Ela reclamou no perfil da Caixa do Facebook e viu que muitas pessoas estavam com o mesmo problema. “Na rede social, a resposta da Caixa era sempre padronizada, orientando que as pessoas precisavam ir até a agência com documentos para atualizar o cadastro”.

No dia 16 de março, Patrícia foi novamente na Caixa e, após duas horas na fila preferencial com os dois filhos pequenos, ouviu que havia ocorrido problema no sistema, que estava em processo de liberação e que era muita gente para resolver. Conseguiu sacar o dinheiro de uma conta inativa, mas não de outra. “Vou ter que entrar no lote de quem recebe em abril e pegar uma fila imensa de novo”, lamenta.

 

Alexandre Pyung Oh decidiu mandar um e-mail de reclamação para a Ouvidoria da Caixa depois de várias tentativas para resolver seu problema (Foto: Arquivo pessoal)

Alexandre Pyung Oh decidiu mandar um e-mail de reclamação para a Ouvidoria da Caixa depois de várias tentativas para resolver seu problema (Foto: Arquivo pessoal)

 

Nem falando com a Ouvidoria

 

O técnico administrativo Alexandre Pyung Oh, de 37 anos, também teve problemas para receber o dinheiro de suas duas contas inativas do FGTS, apesar de estar no calendário de quem poderia sacar em março.

No dia 13 de março, ele descobriu numa agência em Campinas (SP) que as contas ainda estavam ativas porque a data de saída do emprego não estava no cadastro. Após regularizar a informação, o gerente que o atendeu pediu que aguardasse 7 dias corridos para que o sistema da Caixa liberasse automaticamente os valores.

Mas o dinheiro não caiu no prazo. Ele tentou falar com o gerente, reclamou no telesserviço e no perfil da Caixa do Facebook, sem sucesso.

Ele só conseguiu resolver o problema quando mandou um e-mail de reclamação para a Ouvidoria da Caixa, copiando a mensagem para o e-mail da vice-presidência de Estratégias de Canais e Operações do banco.

“Não se passaram nem 15 minutos após o envio do e-mail e uma funcionária de Campinas que cuida de assuntos relacionados ao FGTS me ligou e pediu para eu explicar o que estava acontecendo. Após breve análise, ela concluiu que o gerente da agência de Campinas falhou, pois a rotina de liberação automática havia encerrado e ele deveria ter feito a liberação manualmente no sistema”, conta.

O gerente ligou e confirmou que ele poderia efetuar o saque a partir do dia 24 de março. “Porém, não consegui sacar o valor total”, diz.

 

Sete idas à agência

 

A analista de suporte técnico Edna Aparecida dos Santos Borges, de 46 anos, só conseguiu sacar o dinheiro do FGTS inativo após sete idas à agência da Caixa em Itapevi, na região metropolitana de São Paulo.

Após descobrir que o dinheiro não havia caído automaticamente na conta poupança como prometido, ela atualizou seu nome de casada e datas de saída dos empregos anteriores.

A analista então voltou para verificar por que o dinheiro não havia sido depositado mesmo após a atualização dos dados e descobriu que tinha de autorizar a Caixa a depositar o valor. Nas outras vezes ouviu que o dinheiro ainda não estava na conta por problema no sistema. Um dia antes de receber o valor, ouviu do gerente que ele não sabia o motivo de o dinheiro não ter sido transferido para a conta e a orientou a passar no caixa da agência.

No fim das contas, Edna descobriu que o problema estava na modalidade da sua conta, a Poupança Caixa Fácil, que tem uma cota de valor para ser depositado, e finalmente conseguiu sacar o dinheiro.

 

Joelly Samily Amorim diz que Caixa demorou para descobrir que o dinheiro de suas contas haviam sido retirados em outro estado (Foto: Arquivo pessoal)

Joelly Samily Amorim diz que Caixa demorou para descobrir que o dinheiro de suas contas haviam sido retirados em outro estado (Foto: Arquivo pessoal)

 

Dinheiro sumiu

 

Joelly Samily Amorim, de 24 anos, tem quatro contas inativas para receber, mas conseguiu resgatar somente duas delas, justamente as de menores valores. Após várias idas à agência da Caixa em Sinop (MT), descobriu que os valores das contas que faltam ser sacadas foram na verdade pagos em São Paulo.

“Até eu ficar sabendo que o saque havia sido feito por outra pessoa, a Caixa nunca me dava uma resposta concreta, mas na última semana de março vieram com essa história. Até me perguntaram se não viajei recentemente, eu respondi que não. Estou desempregada, não teria condições de ir para lá”, diz.

Segundo Joelly, a agência abriu um chamado para saber o que aconteceu. Esses dois valores, segundo a Caixa informou a ela, foram sacados com Cartão do Cidadão na capital paulista. “A agência está desconfiando que meus documentos foram hackeados”, afirma.

Segundo Joelly, os valores das duas contas inativas que foram sacados em São Paulo são de R$ 1.078 e R$ 467. As que ela recebeu são de R$ 183 e R$ 412.

Ela afirma que nunca esteve em São Paulo e nunca passou seu número do PIS nem a senha para ninguém. “Só consultava meu extrato pelo site da Caixa e pelo aplicativo da minha conta corrente que tenho no banco”, conta.

“A Caixa vai ter que ver nas câmeras quem que sacou meu dinheiro porque eles têm no sistema a data e hora da retirada”. Joelly diz que, após abertura do chamado, a Caixa informou que leva no máximo 30 dias para darem uma resposta. O prazo terminou no dia 28 de abril.

 

Prazo é de até 5 dias, diz Caixa

 

A Caixa informou que os valores de trabalhadores que tenham inconsistências no cadastro não são creditados de forma automática, havendo a necessidade de verificação de documentos para a efetivar os acertos em uma agência. Nesse caso, para os trabalhadores dos calendários que já tenham direito ao saque, o prazo para o recebimento dos valores é de até 5 dias, após a regularização do cadastro. Em atenção ao relato dos trabalhadores, a Caixa informa que está à disposição para verificar o caso pontual.

Sobre a situação de Edna, a Caixa informou que a conta do tipo “Poupança Caixa Fácil” é uma modalidade de conta poupança simplificada que tem limite de saldo e movimentação máxima mensal. Assim, os valores das contas inativas do FGTS que superem esse limite podem ser sacadas em qualquer agência da Caixa.

Em relação ao caso de Joelly, a Caixa afirmou que para situações específicas é necessário efetuar análise de documentos e informações para identificar se há alguma inconsistência, e que conta com estrutura sólida voltada à gestão da prevenção e combate à fraudes.