As imagens são dantescas.
Primeiro, durante o pico dos incêndios, pelo rubro intenso das chamas – um mar de fogo alastrando pela floresta e colocando rapidamente em perigo as casas circundantes.
Depois, no rescaldo, pelo tom sépia e cinzento a envolver tudo num silêncio de morte – das árvores e propriedades calcinadas aos esqueletos retorcidos dos carros incendiados, surpreendidos na armadilha de uma fuga impossível e desesperada para escapar daquele inferno.
Na tarde deste sábado, a EN 236, no centro-norte de Portugal, transformou-se subitamente numa verdadeira estrada da morte: das 62 vítimas fatais destes incêndios, 47 registaram-se precisamente nessa via, com as pessoas a morrerem por asfixia e pelo fogo, dentro ou fora dos veículos.
O país está naturalmente em choque e as autoridades decretaram luto nacional por três dias. Ao mesmo tempo, gerou-se uma onda imensa de solidariedade para ir ao encontro das pessoas que perderam bens e família, algumas – todo o esforço de uma vida.
Mas há outros sentimentos para além da dor e da ajuda – há também um misto de consternação e raiva, de impotência e revolta perante uma tragédia que desde os anos 1980 se vem repetindo sem fim à vista – a dos grandes incêndios florestais que todos os anos assolam o país, devorando as florestas nacionais e fazendo numerosas vítimas, quer entre a população civil, quer entre os bombeiros e guardas nacionais.
Em 2003, atingiu-se um volume recorde de floresta ardida – 425.000 hectares, o que coloca Portugal no topo do ranking europeu nesta matéria. Só o ano passado, coube a Portugal mais da metade de toda a área ardida nesse ano no velho continente!!
Não é mais possível continuar assim. Alguma coisa vai ter que mudar.
É certo que, desde o início dos grandes incêndios, nos anos 80, sobretudo a partir de 2003, muita coisa já se fez, em termos de estudos, reflexão, planificação, reequipamento técnico e legislação para fazer face ao flagelo.
Mas a tragédia humana deste ano – e o Verão ainda mal começou – mostra sem sombra de dúvida que algo mais ainda tem que ser feito.
As imagens do inferno deste ano também são, aliás, elucidativas a esse respeito: muito mato por limpar em torno das casas, florestação até à beira da estrada, sem zona de proteção contra o fogo.
Algum sistema legal e fiscal, baseado num cadastro nacional de propriedades rurais, a par de um mercado concorrencial de serviços nessa matéria, terão de ser implantados para se assegurar que as indispensáveis medidas de prevenção sejam de facto executadas.
E valeria também a pena refletir sobre o papel e a forma como estão organizados os bombeiros voluntários, cuja dedicação ninguém contesta, mas que talvez precisem de estar associados a núcleos profissionais especializados devidamente formados e treinados.
Os incêndios florestais irão, claro, continuar a acontecer. Até porque muitos deles têm causas naturais, como sucedeu agora com o de Pedrogão Grande, que teve início num raio, em tempestade seca.
Isso não pode ser evitado. Mas façamos, ao menos, o que está ao nosso alcance, para evitar que tragédias desta dimensão se voltem a repetir.
Como dizia, já há alguns anos, um especialista silvicultor, “os incêndios florestais em Portugal são uma consequência da ausência de gestão dos espaços florestais. Se queremos resolver o problema, teremos de atuar ao nível das causas que levam a essa ausência de gestão.”
O lema terá de ser, concluía – “Os incêndios florestas não se combatem – previnem-se”
*Jornalista, correspondente da televisão pública portuguesa RTP