Uma das definições de ‘Timing’ é estar no lugar certo, na hora certa. Assim, estar em San Diego agora é um ‘perfect Timing’ pois permite a oportunidade de vivenciar as disputas jurídicas nos EUA e no Brasil, com comparações inevitáveis. Esclarecimentos se tornam ainda mais valiosos graças ao estudo e atual assistência ao Honorável Juiz da Corte Superior da Califórnia na matéria de Direito Internacional, obrigatória para doutorandos em Administração.
Existe um grande debate hoje no Brasil sobre a manutenção ou não do foro privilegiado que milhares de políticos desfrutam – o direito de serem julgados apenas na corte mais alta, o STF.
Dizem os defensores da manutenção deste privilégio – assim encarado pois o processo é mais moroso, mais político e pode até ser julgado por ‘turmas’ (parte dos juízes do tribunal) ou quiçá, monocráticamente – que o dito estabelecimento elimina a possibilidade de juízes de 1ª Instância por motivos políticos nos mais remotos fundões do país consigam decretar prisões preventivas nos altos escalões federais como Presidente da Câmara ou do Senado e seus respectivos membros.
Nos EUA não existe este privilégio – todos os cidadãos são iguais perante a lei. Nem os magistrados – que só possuem certos benefícios apenas no local onde trabalham, como serem autoridade máxima que não pode ser desrespeitada e a impossibilidade de serem processados pelas suas decisões ou atuações. A única exceção fica por conta do presidente, como Nixon e Clinton, só para citar os mais recentes – que são processados na Comissão de Justiça do Congresso.
Governadores, senadores e deputados – estaduais e federais – têm que se defender em tribunais estaduais antes que, se for o caso, possam recorrer á Suprema Corte. O governador de Ilinois Blagodjevitch, em exercício na época da eleição inicial de Obama, foi pego pelo FBI fazendo leilão da vaga de senador deixada em aberto pela eleição do senador para presidente. Se era algo que lhe competia pela legislação eleitoral, visto que não existe a figura do substituto como no Brasil, a ‘venda’ do cargo era totalmente ilegal, motivo pelo qual teve que renunciar e ainda hoje amarga sua sentença de 14 anos de prisão. Seu pleito nem chegou na Suprema Corte, sendo confirmada na Estadual em 24 horas após seu pedido.
O perigo alardeado para os políticos, também inexiste nos EUA, visto que políticos só podem ser processados no Estado que representam ou onde ocorreu a ilegalidade e mesmo assim seu pedido de prisão só vale para o Estado… às vezes só para o município! Nenhuma decisão de uma corte de 1ª Instância em algum Estado Americano tira o WhatsApp ou Facebook do ar em todo o país.
Para os defensores da queda do privilégio, além da isonomia de todos os cidadãos, é sempre citado o terrível acumulo de processos dos Juízes do STF que ensejam o fatiamento em ‘turmas’ ou decisões monocráticas, passiveis de influências políticas.
Nos EUA isto não ocorre por um motivo fundamental. A Suprema Corte só decide em colegiado total, só analisa casos Constitucionais e recusa anualmente cerca de 9800 e julga apenas 200 casos que lhe são enviados. Quando isto ocorre, para os recusados ficam valendo as decisões da Instância inferior motivo pelo qual que se diz que a Suprema Corte Americana decide muito mais pelo que não julga do que pelo que julga.
O trabalho da Suprema Corte Americana também é facilitado porque qualquer decreto presidencial pode ser contestado na Justiça tanto estadual como federal, a não ser que seja aprovado pelo Congresso, quando retira todo o poder de mudança do judiciário. Talvez seja também por isso a pouca visibilidade política e midiática dos juízes da Suprema Corte assim como do Procurador Geral (e demais procuradores federais) nos EUA, ao contrário do atual espetáculo digno de novela televisiva no Brasil.
No momento, os presidentes Temer e Trump podem parecer estar no mesmo barco, mas não estão. Temer depende do Congresso para ir ou não a julgamento no STF. Trump depende das investigações da Comissão de Justiça para se determinar se existe algum crime, como de obstrução de justiça. Caso se confirme, apenas o Congresso poderá processá-lo e determinar ou não seu afastamento. Clinton ‘sujou o vestido’, mentiu mas continou no cargo após pedir desculpas a Senadores e Deputados.
Não existe nos EUA o privilégio dado a Senadores e Deputados no Brasil de terem suas prisões primeiramente aprovadas pelos seus pares. Crimes de corrupção são determinados pelo FBI (equivalente à Policia Federal) e os acusados processados normalmente pela justiça comum e presos caso sejam pegos em flagrante. Assim, não se tem nenhum caso semelhante ao de Renan Calheiros que apesar de ter mais de 6 inquéritos no STF continua na atividade política, dependento da vontade política tanto da Procuradoria como do STF em tocar a denuncia adiante. Nem a falta de isonomia que então é demonstrada pela rapidez da denúncia do Procurador Geral contra o Presidente da República.
A figura jurídica da Prisão Preventiva, tão discutida no Brasil pelo seu uso disseminado e exagero na sua extensão – apesar de existente também nos EUA, não suscita debates. O motivo é simples: depois da prisão, a justiça tem 48 horas para apresentar a denúncia ao juiz que então determina a continuidade da prisão ou soltura por fiança. Todo cidadão tem direito a um julgamento justo e rápido por seus pares, ou se optar, por apenas o magistrado.
Não existe também nos EUA a Prisão Preventiva após decisão de 1ª Instância, no aguardo da decisão de 2ª Instância ou até o julgamento em última instância. A partir da condenação em 1ª Instância a prisão é regular e cabe agora o ônus de provar inocência ao acusado. Enquanto isto não ocorre, até última Instância – geralmente a Corte Suprema do Estado – o acusado fica preso de acordo com a condenação. Se o ex-presidente Lula for condenado pelo tribunal de Curitiba, nos EUA ele seria preso e automaticamente inelegível até provar sua inocência.
É totalmente estranho para a Suprema Corte Americana julgar Habeas Corpus de políticos, alternando as decisões de acordo com o juiz escolhido. Alem de não ser assunto constitucional, não existe decisão monocrática nesta Corte.
A figura da delação premiada também existe nos EUA, mas apenas como forma de acordo para redução de pena firmado entre a promotoria estadual ou federal e o acusado e sua defesa. Escutas e gravações só podem ocorrer após o início das investigações, como no Brasil, e autorizadas pela justiça. O que difere é que o juiz só autoriza se a promotoria apresentar provas que justifiquem a abertura do inquérito para autorizar ambas, não sendo aceitas as alegações que as gravações serão as provas iniciais. Nos EUA as gravações contra o presidente Temer só seriam autorizadas após comprovação de ato ilegal do mesmo, como reforço.
Também nos EUA, os irmãos Batista jamais sairiam sem alguma condenação após suas delações muito menos do país. Joesley e seu irmão podem entretanto ter sua prisão decretada nos EUA, pelos crimes de corrupção e pelo uso de informações privilegiadas na venda e compra de ações e dólares nas Bolsas de SãoPaulo, pois vale lembrar que a Lava Jato só começou por que o Departamento de Justiça Americano e o FBI iniciaram as investigações de corrupção na Petrobrás. Tanto as ações da Petrobrás como da Friboi são negociadas na Bolsa de New York, podendo causar prejuízos a investidores americanos, o que autoriza a jurisdição Americana em ambos os casos.
Da mesma forma a definição de jurisdição doméstica nos EUA, permite que a Apple sediada no estado de Washington, seja processada na Califórnia, se registrar vendas e lucros significativos em San Diego. Internacionalmente também vale o princípio, podendo investidores brasileiros processar uma empresa Americana nos EUA no caso de atos falhos no Brasil.
Para que este sistema judiciário Americano funcione, em cada cidade, município e condado existe sempre um juiz de plantão 24 horas por dia, geralmente em casa, todos os 7 dias da semana, com exceção de um dia quando por lei ficam 3 juízes de plantão… No dia do Superbowl!
Essas predisposições Americanas são fundamentais e tem seu início na Constituição do país, que tem como objetivo principal criar uma verdadeira democracia, resistente a golpes ou mudanças como acontecia na Europa naquela época, de onde veio a maioria dos imigrantes Americanos. Além da frase inicial – “Nós o povo…” é interessante lembrar para os políticos do Brasil, as palavras de um dos ‘pais’ da Constituição Americana, Thomas Paine, 230 anos passados: “A nossa Constituição não é um ato do governo, mas de um povo que constitui o governo. Isto é o que faz o nascimento de nossa nação ser único entre as grandes nações do mundo”.
Pena que no Brasil só estudantes e profissionais do direito conheçam o calhamaço que é nossa Constituição pois, sem esquecer as já antigas tensões raciais e as recentes entre a esquerda e a direita, a Constituição Americana é ainda a principal razão da alta representatividade e os baixos sentimentos de impunidade e desigualdade na sociedade Americana.

*Economista (USP), Professor da Faculdade Reges