Sob o forte sol do verão da Flórida, milhares de venezuelanos residentes nas cidades de Tampa, Miami e Orlando se dirigiram aos chamados “pontos soberanos” para depositarem seus votos em um plebiscito organizado pela oposição. Pude acompanhar a votação de um dos principais pontos de Tampa, o restaurante venezuelano Are pitas, como observadora externa.
Desde às 7h45 da manhã já havia pessoas nas filas, esperando que o local fosse aberto às 8h para dar início às atividades. Por volta do meio dia, quando o calor já estava muito mais intenso, a fila tornou-se ainda maior. Nela estavam sobretudo famílias com crianças, idosos e muitos jovens. A maioria ostentava orgulhosamente as cores do país – amarelo, azul e vermelho – e alguns estavam abraçados na bandeira nacional.
Alguns carros estacionados também ornados à caráter, com inscrições como “SOS Venezuela”, “Abaixo à ditadura”, “Abaixo ao STJ [Supremo Tribunal de Justiça]” e “Si, Si, Si”, que deveriam ser respostas às perguntas apresentadas na consulta popular. Um clima de euforia estava no ar, com músicos tocando instrumentos de percussão para entreter os que aguardavam sua vez de entrar no local de votação, com cantos, danças e até orações para libertar a Venezuela do que eles chamavam de “narcoditadura”.
De tempos em tempos, um dos organizadores saía para atualizar os que esperavam sobre os números de votantes. Voluntários também traziam água gelada para amenizar o desconforto da espera. Dentro do restaurante, pessoas trajando camisetas com dizeres “distantes, mas presentes” ou “Tampa Bay decide” estavam distribuídas em cinco mesas e aguardavam os eleitores para conferir seus documentos.
Era possível participar portando o passaporte ou a cédula de identidade. Uma vez feita a checagem, eles entregavam os boletos de votação, contendo as três perguntas: “Você rechaça e desconhece a realização de uma constituinte proposta por Nicolás Maduro sem a aprovação prévia do povo da Venezuela? Você exige que a Força Armada Nacional e que todo funcionário público obedeça e defenda a Constituição do ano de 1999 e respalde as decisões da Assembleia Nacional? Você aprova que se renovem os poderes públicos de acordo ao estabelecido na Constituição e a realização de eleições livres e transparentes, assim como a conformação de um governo de união nacional para restituir a ordem constitucional?”.
Após passar pelas mesas, os venezuelanos se encaminhavam para cabines individuais, onde podiam assinalar as opções “sim” ou “não”. Obviamente, ali se pleiteava o voto triplo no “sim”. Feita a escolha, eles se encaminhavam para uma urna, que era o local onde se viam gestos mais significativos, que iam desde o sinal da cruz até selfies e gestos de vitória.
Para finalizar a participação, os venezuelanos iam até duas mesas com computadores, onde voluntários registravam seus nomes e documentos, a fim de servir de comprovação e de base de dados. Ao final do dia, os organizadores se reuniram para comemorar o que foi considerado, em sua visão, uma vitória democrática. O ponto soberano de Tampa totalizou 3424 votos e, em nível mundial, se estima que entre 7 e 8 milhões de venezuelanos tenham participado, confirmando a impressionante porcentagem de 98% de rejeição à proposta de Assembleia Constituinte feita pelo presidente Nicolás Maduro.
Embora essa consulta não tinha sido reconhecida pelo governo, uma vez que se realizou à margem da institucionalidade existente, ela é simbólica e deu um gás importante para os grupos que se organizam fora e dentro do país por mudanças políticas. A sensação que fica é a de que um grupo numeroso de venezuelanos não descansará até que o governo chavista saia do poder. Se isso ocorrerá de uma maneira pacífica ou não, o tempo dirá. Contudo, pelo alto grau de envolvimento emocional dos que estiveram na votação, é difícil dizer que somente uma solução pacífica está no horizonte desses opositores.
*Mestre e Doutoranda em Relações Internacionais (Unicamp e PUC-SP)