Um fotógrafo brasileiro, junto com colegas e cinegrafistas alemães, construiu um poço para que um grupo da etnia Mundari, que vive no Sudão do Sul às margens do rio Nilo, tivesse acesso a água potável. Com 12 mil euros (cerca de R$ 44 mil) arrecadados em um financiamento coletivo, o grupo conseguiu que a etnia não tivesse mais que beber água diretamente do rio ou caminhar até uma região próxima habitada por outro grupo. Os hábitos antigos causavam doenças e motivaram brigas violentas.

Veja imagens da etnia Mundari no vídeo acima.

A construção do poço foi uma retribuição aos Mundari pelo oportunidade dos alemães de visitar e documentar a etnia. Eles entraram em contato com o brasileiro Bruno Feder, que na época morava no Sudão do Sul e já havia visitado o grupo. Bruno os ajudou a chegar até os Mundari, mas sugeriu que em troca eles prestassem uma ajuda concreta no local.

Para que a etnia Mundari aceitasse a visita dos alemães, o brasileiro, que diz que “se vira” em algumas línguas locais, conversou com o chefe do grupo para identificar qual era a sua principal necessidade.

“Sentei com o chefe desse campo e foram horas de reunião. Porque converso com ele, aí eles fazem a reunião deles e voltam”, diz Bruno ao G1. “Garanti para eles que não estava lá para explorar, queria estabelecer uma relação de amizade. Ficou estabelecido que não ia ter a troca de dinheiro efetivo, mas que íamos facilitar as principais necessidades deles”, afirma.

 
 

O fotógrafo brasileiro Bruno Feder ao lado de membro da etnia Mundari, no Sudão do Sul (Foto: Arquivo pessoal/ Bruno Feder)

O fotógrafo brasileiro Bruno Feder ao lado de membro da etnia Mundari, no Sudão do Sul (Foto: Arquivo pessoal/ Bruno Feder)

A demanda imediata foi uma fonte de água potável. Os Mundari vivem na região de Terekeka, a cerca de 100 km da capital Juba, e tinham que beber água diretamente do Nilo ou cavando buracos no solo, correndo o risco de se infectarem.

O Sudão do Sul vive um surto de cólera – uma das doenças transmitidas pela água contaminada – desde junho do ano passado. Apenas neste ano o país teve cerca de 6.870 casos suspeitos da doença, sendo que crianças e adolescentes correspondem a cerca de 51% deles, segundo a ONU.

 

Criança da etnia Mundari bebe água suja; acesso a àgua potável era a principal demanda do grupo (Foto: Bruno Feder)

Criança da etnia Mundari bebe água suja; acesso a àgua potável era a principal demanda do grupo (Foto: Bruno Feder)

A ideia inicial de Bruno era bancar a construção do poço com a venda de fotos que ele fez dos Mundari. Mas o fotógrafo não conseguiu disponibilizar as imagens na internet, por conta do sinal fraco no país. Então, a arrecadação do dinheiro ficou a cargo dos colegas e foi feita toda na Alemanha, através de um site de financiamento coletivo.

 

A instalação do poço foi feita em quatro dias. Numa prática cultural de agradecimento, a etnia sacrificou duas cabras no local: uma antes de furar o solo e a outra quando a água saiu do poço pela primeira vez.

 

Poço construído para etnia no Sudão do Sul evita doenças e disputas por água limpa (Foto: Kirsten König)

Poço construído para etnia no Sudão do Sul evita doenças e disputas por água limpa (Foto: Kirsten König)

Os Mundari praticam outros rituais como a escarificação, que é a produção de arranhões e cicatrizes no corpo, uma marca típica deles. Suas vidas giram em torno do gado, que é símbolo de status, forma de dinheiro e fonte de alimento. A etnia se beneficia até das fezes do gado, que são queimadas e as cinzas são espalhadas em seu corpo e usadas como repelente.

Os animais são, também, uma das fontes de conflito entre tribos. “Nunca achei que [os Mundari] fossem violentos, a minha experiência foi supertranquila. Mas eles têm uma fama de violentos. É mais uma coisa de proteção, porque andam armados para proteger o gado”, conta Bruno.

 

Fotos que viram melhorias locais

 

Alguns anos de experiência em trabalhos sociais em Uganda e no Sudão do Sul fizeram com que Bruno se motivasse a prestar ajuda por meio de mudanças, e não dinheiro, a africanos em regiões remotas ou pobres. Ele fundou uma ONG em que vende suas fotos e o dinheiro arrecadado é revertido em melhorias aos locais fotografados.

 
 

Mundaris observam fotos deles tiradas pelo brasileiro Bruno Feder (Foto: Bruno Feder)

Mundaris observam fotos deles tiradas pelo brasileiro Bruno Feder (Foto: Bruno Feder)

Quando esteve em Uganda, conseguiu proporcionar dessa maneira a reforma de uma escola rural, a distribuição de itens de higiene e uma cirurgia a uma mulher com câncer. A vontade de ir ao Sudão do Sul surgiu quando percebeu um grande fluxo de pessoas atravessando a fronteira para se refugiar no país vizinho.

 

 (Foto: Editoria de Arte/G1)

(Foto: Editoria de Arte/G1)

 

3ª maior crise do mundo

 

O Sudão do Sul é o país mais jovem do mundo – completou seis anos de independência em julho – e vive um conflito há mais de três anos que se transformou “na maior crise de refugiados da África” e “na terceira do mundo” após as crises da Síria e do Afeganistão, segundo a agência da ONU para refugiados (Acnur). O conflito explodiu em dezembro de 2013 entre forças leais ao presidente do país, Salva Kiir, da etnia dinka, e ao ex-vice-presidente Riak Mashar, da etnia nuer.

 
 

Criança da etnia Mundari, no Sudão do Sul (Foto: Bruno Feder)

Criança da etnia Mundari, no Sudão do Sul (Foto: Bruno Feder)

De acordo com a ONU, mais de 3,5 milhões de pessoas foram forçadas a deixar suas casas e fugirem a outro local, dentro e fora do país. Para contemplar o quadro de crise humanitária, em fevereiro o governo e a ONU declararam que 100 mil pessoas passam fome no país. “Há muita negligência da sociedade internacional como um todo para essa crise”, diz Bruno.

 

Próximas ajudas

 

O fotógrafo pretende voltar para lá para concretizar outros projetos. Um deles é o fornecimento de canoas aos Mundari, que foi a segunda demanda apontada pela etnia, para serem usadas para pesca e transporte durante a época de chuvas.

 

Deslocados internos do Sudão do Sul vivem em cemitério na capital Juba (Foto: Bruno Feder)

Deslocados internos do Sudão do Sul vivem em cemitério na capital Juba (Foto: Bruno Feder)

 

Também quer ajudar outras regiões do país, com a doação de redes antimosquito a um grupo de deslocados internos que vive dentro de um cemitério em Juba. As redes ajudarão o grupo a se proteger de doenças como a malária, que contagiou o fotógrafo cinco vezes.

 

O fotógrafo brasileiro Bruno Feder quer levar Amoli, garota com queimaduras no rosto, para uma cirurgia de reconstrução do rosto em Uganda (Foto: Bruno Feder)

O fotógrafo brasileiro Bruno Feder quer levar Amoli, garota com queimaduras no rosto, para uma cirurgia de reconstrução do rosto em Uganda (Foto: Bruno Feder)

Ele ainda pensa em criar um espaço de assistência social às mulheres, que junto com as crianças são maioria nos campos de deslocados internos do país. Outro objetivo é conseguir levar uma garota com queimaduras graves a Uganda para fazer uma cirurgia de reconstrução do rosto.

O fotógrafo está no momento em Nova York, selecionando as fotos que fez no Sudão do Sul para coloca-las à venda e poder concretizar os próximos planos.

 

Brasileiro clica garotos em acampamento de deslocados internos em cemitério de Juba, no Sudão do Sul (Foto: Bruno Feder)

Brasileiro clica garotos em acampamento de deslocados internos em cemitério de Juba, no Sudão do Sul (Foto: Bruno Feder)