Ultimamente, sobram notícias e comentários sobre delações, delatados e delatores. Delação é denúncia, em qualquer situação, de algo ignorado ou secreto. Na conjuntura da operação Lava Jato, é a comunicação ao Poder Judiciário de crimes de empresários e políticos. Delatados são ladrões de milhões, gente superdotada na arte de roubar os cofres públicos, de lavar dinheiro e praticar a evasão de divisas para os paraísos fiscais. Delatores, por sua vez, longe de santos inocentes, nada mais são que malandros interessados em escapar da prisão solitária ou, pelo menos, abreviar o seu tempo.
Para combater todo esse sórdido esquema de corrupção nacional em diferentes níveis e áreas, aplica-se hoje no País a delação premiada. Trata-se de um beneficio concedido ao réu que aceita colaborar na investigação criminal. Essa bondade integra nosso Direito Penal, mas a sua utilização gera dúvidas e controvérsias. Premiar bandidos? Não seria mais palatável delação apenas avaliável?
Mas dedo-duro é figura velha na história do mundo. Nas Escrituras, pesquei dois textos que recomendam cuidado com esse tipo de gente: “Não serás delator de crimes nem faça uma acusação falsa que possa causar a morte de alguém” (Lev 19, 16) e “As palavras do delator são como guloseimas que gostamos de saborear” (Prov 18, 8).
Não se pode, porém, esquecer a delação de Judas, a mais trágica da história universal, como nos conta Lucas: “Satanás entrou em Judas, o chamado Iscariotes, que era do número dos doze. Ele pôs-se a caminho e falou com os sumos sacerdotes e os oficiais do templo sobre como entregar-lhes Jesus. Eles regozijaram-se e combinaram dar-lhe dinheiro. Judas concordou e procurava ocasião para trair Jesus, longe da multidão” (22, 1-6). Tudo por 30 moedas de prata!
Se nos voltarmos, agora, para a história pátria, dois delatores de proa costumam aparecer: Domingos Fernandes Calabar, pernambucano esperto, dono de terras e de três engenhos de açúcar, que se bandeou para o lado dos invasores holandeses, e Joaquim Silvério dos Reis, coronel da cavalaria e fazendeiro endividado com a Coroa, o grande vilão da Inconfidência Mineira. E não precisa lembrar a desventura final desses três delatores famosos.
Hoje, aqui entre nós, os delatores acabam premiados. Como se fossem figuras olímpicas, ganham menção privilegiada na mídia e vão para casa, beneficiados com a substituição, a redução ou até mesmo a isenção da pena. É o dedurismo oficializado, criticável moralmente, mas justificado e incentivado para se quebrar a espinha dorsal do crime organizado em alto nível. Sob esse aspecto, o delator presta um serviço à nação, apesar de romper laços de velha amizade, como aconteceu, há poucos dias, com a denúncia de Palocci sobre artimanhas de Lula. No caso, vem bem a propósito o velho provérbio: “Mal me querem os compadres, porque lhes digo as verdades.”
A favor ou contra as delações premiadas, nós, cidadãos comuns jejunos em questões de Direito, obrigados, todo dia, a assistir à tragicomédia delas, só podemos torcer, fora e acima de motivações ideológicas e partidárias, pela soberania da verdade, em todos esses impostergáveis processos de combate à corrupção, mesmo porque a verdade é como o azeite, vem sempre à tona, por mais que delatados e delatores procurem sufocá-la ou maltratá-la.
*Educador e professor de Filosofia