A reforma política é assunto recorrente há diversos anos em todos os níveis da política nacional, mas voltou à pauta de maneira intensa durante o último par de semanas. Assunto recorrente porque as excrecências do sistema brasileiro são de tal forma aberrantes como, por exemplo, a existência de mais de 30 partidos políticos, que é impossível fazer de conta que está tudo bem, ainda que para os políticos, o sistema, como está, seja exatamente o sistema que lhes convém (ou convinha até agora).
Porém, ainda que o assunto motive discussões há tanto tempo, os parlamentares têm negligenciado da propositura de uma reforma abrangente e moderna, que atenda os interesses da sociedade brasileira, e foram deixando o tempo passar, uma vez que o sistema, como estava, era benéfico aos seus escusos interesses particulares.
Agora, como um grande número deles intuiu que, em função de acontecimentos recentes como Lava Jato e fim do financiamento de empresas a campanhas, as regras vigentes não mais os favorecem e que a possibilidade de não serem reeleitos é grande, tentam, às pressas, premidos pelo exíguo tempo disponível para que a reforma seja aprovada a tempo de valer para as eleições do próximo ano, aprovar algo a que estão chamando de reforma, mas nada mais é do que introdução de alguns quesitos na legislação eleitoral que lhes permita se reelegerem e continuarem com foro por prerrogativa de função e a se apropriarem indevidamente do dinheiro público.
Ou seja, mais uma vez, o que menos pesa na questão é o interesse social. Feita a “”reforma”” o problema continuará sem solução, uma vez que reforma não foi feita, mas meramente a introdução de casuísmos visando a reeleição nas próximas eleições. Questões outras como a obrigatoriedade do voto, que, em grande parte, é responsável pelo estado de corrupção e desgoverno que permeia o Estado brasileiro, assim como sobre a abertura para que cidadãos não filiados a partidos políticos possam se candidatar, e que envolveriam muito mais a sociedade, nada se diz.
Sobre a cláusula de barreira, que poderia eliminar da vida política nacional duas dezenas de partidos caça-níqueis, pouco se fala (a ideia tem sido debatida numa proposta que está correndo paralelamente no Senado e que, talvez, venha a ser mais frutífera do que o que se discute na Câmara).
Ao deputado federal está interessando basicamente a questão em torno do sistema de eleição camarária (distrital ou distrital misto) e o montante do fundo eleitoral. Com respeito ao primeiro caso, a questão é que cada uma das ideias apresentadas representa a tábua de salvação de um de dois grupos distintos e cada um deles não vai abrir mão da sua posição, porque isso significaria sua derrocada e sobrevida do adversário.
Está-se em um impasse, portanto. Impasse que surge porque o parlamentar não está se perguntando o que é mais benéfico para o cidadão, o que deveria ser o cerne de sua preocupação, mas o que é mais benéfico para ele. Em outras palavras: o cidadão elege o parlamentar para que este passe a usufruir de todas as regalias do sistema (legais e ilegais) enquanto que o cidadão que o elegeu deixa de existir, num tipo de sistema representativo às avessas o parlamentar é eleito pelo povo e uma vez eleito passa a representar a si mesmo.
No que diz respeito ao fundo eleitoral, a questão se coloca neste momento em função do fim do financiamento de campanha por pessoas jurídicas. Ou seja, como o parlamentar não vai mais ter acesso a dinheiro oriundo de empresas (não vai por enquanto, por que esta questão ainda terá desdobramentos), procura alternativas de, digamos, “”botar a mão em algum dinheiro””.
E, é claro, como só se poderia esperar, dinheiro público, que, afinal das contas, anda sobrando. Educação, saúde, segurança, infraestrutura, tudo muito bem, obrigado. Portanto, que mal há em tomarmos um pouco de dinheiro do contribuinte para nossa campanha eleitoral? Afinal de contas, nada mais lógico do que o cidadão pagar para que o deputado se eleja para… representá-lo. É muita imoralidade!
*Professor da Unesp de Ilha Solteira