Acho que todos já se depararam com uma situação em que o preço para consertar um produto supera o do produto novo. Há alguns motivos pra isso, em especial o custo dos serviços e das peças de reposição, em contraposição ao aumento na oferta de crédito, diminuição dos preços de boa parte dos produtos e ao aumento, ainda que gradual, do poder aquisitivo da população.

No caso de alguns produtos industrializados, a concorrência internacional chega a ser considerada desleal, desovando no mercado brasileiro produtos mais baratos de outros países. Embora o exemplo que vem à cabeça seja geralmente o de equipamentos eletroeletrônicos, com outros segmentos isso também acontece. Até com a indústria têxtil: muitas vezes um ajuste de uma roupa pode ficar mais caro que comprar uma peça nova.

Analisar essa tendência pode levar à conclusão que isso é sinal de que estamos progredindo, desenvolvendo. Não é bem assim.

Esse cenário só ocorre porque o consumidor quer um produto mais novo. O caso dos celulares é típico. Raras são as pessoas que possuem o mesmo aparelho que o de três anos anteriores. Quando um celular dá algum problema, o consumidor pondera a facilidade e o custo do conserto, enquanto propagandas o instigam a adquirir novidades que possuem máquina fotográfica e filmadora com resolução maior, dois chips, mais aplicativos especiais, mais memória, mais segurança, alarme, internet, GPS, jogos, agenda, televisão, etc. O mesmo pode ser pensado para computadores, televisores, etc. E aí vamos acumulando coisas em casa que não usamos mais, com defeito ou não, velhas ou nem tanto, e que não sabemos o que fazer com elas.

Esse comportamento não tem nada a ver com ser desenvolvido e sim com ser inconsequente e consumista. Porém, por mais que acreditemos que as pessoas podem mudar esse comportamento, é pouco provável que esta situação se reverta, pois todos têm o direito de querer coisas melhores, por mais que esse conceito possa ser pontualmente discutível.

Já que parece improvável diminuir a geração de produtos não desejados por seus proprietários, o jeito é tentar enquadrar o descarte disso tudo. Pensando nisso, a Política Nacional de Resíduos Sólidos, de 2010, obrigou a logística reversa de seis itens. Ou seja, consumidores devolvem os produtos perigosos ou que não querem mais para os fabricantes ou importadores, tendo os comerciantes no meio disso. Os fabricantes/importadores são obrigados a dar um destino adequado ou financiar o destino adequado para esses resíduos, preferencialmente envolvendo a recuperação dos materiais contidos. Desses seis itens, com quatro deles esse sistema já existia antes de 2010, embora fosse interesse da lei ampliá-los de verdade: embalagens de agrotóxicos (seus resíduos e embalagens), óleos lubrificantes (seus resíduos e embalagens), pilhas/baterias e pneus. A novidade da lei é que inclui na lista lâmpadas fluorescentes e produtos eletroeletrônicos e seus componentes. Ou seja, celulares, computadores, televisores, etc.

Parece que chegamos num tempo em que o consumo pode continuar sendo irresponsável, mas o descarte não. Isso é no mínimo esquisito, mas talvez seja o preço de ser “”desenvolvido””.

Porém, tentar enquadrar o descarte de uma sociedade que gera cada vez mais resíduos não é tarefa simples, embora já tenham havido alguns avanços no Brasil desde a promulgação da lei.

Quem assistiu Blade Runner 2049 (lançado no Brasil em 5/10) e sabe das “”profecias”” que o primeiro filme, de 1982, anteviu, ficou preocupado com a visão aterradora de San Diego, nos EUA. No filme, a cidade virou um imenso e feio depósito de resíduos eletroeletrônicos de Los Angeles (cidade vizinha e maior, onde se passa a maior parte do filme). Perto do depósito havia um galpão onde uma legião de crianças ficava desmontando equipamentos descartados procurando níquel, um metal cada vez mais difícil de encontrar hoje em dia. Que dirá em 2049.

O que fazemos para evitar isso? 

 

*Professor da Unesp de Sorocaba