Uma descoberta do Ministério Público Federal em Santa Catarina (MPF-SC) pode mudar o cenário da batalha pelo pagamento de indenizações às vítimas do acidente com o time da Chapecoense, há quase um ano. Os procuradores encontraram indícios de que a LaMia, a companhia responsável pelo voo, não pertença de fato aos donos que constam do papel, e que dificilmente poderiam arcar com os pagamentos – um deles morreu na tragédia e o outro está foragido.
No desastre, na madrugada de 29 de novembro de 2016, 71 pessoas morreram e outras 6 ficaram feridas. O avião caiu quando estava perto de aterrissar no aeroporto de Medellín. Relatório preliminar divulgado pela autoridade de aviação civil colombiana apontou que a aeronave estava sem combustível. O relatório final deve ser divulgado na Colômbia nos próximos dias.
No papel, a LaMia pertence a Miguel Quiroga, que era o piloto do avião e morreu no acidente; e a Marco Antonio Rocha, que está foragido.
Os procuradores do MPF-SC, entretanto, encontraram documentos que apontam que a negociação do fretamento da aeronave com a Chapecoense teve a participação da venezuelana Loredana Albacete. A venezuelana também é responsável por uma empresa que receberia, por meio de uma conta em Hong Kong, os US$ 140 mil (R$ 459 mil, na cotação mais recente) relativos ao deslocamento até Medellín.
Loredana é filha do ex-senador venezuelano Ricardo Albacete, dono do avião. Ao jornal espanhol “El Confidencial”, logo depois do acidente, ele declarou ter apenas arrendado o avião para a LaMia boliviana.
As descobertas denotam “a verossimilhança das suspeitas noticiadas pela imprensa, de que os verdadeiros proprietários dessa companhia aérea possam não ser os bolivianos que figuram em seus atos constitutivos”, anotou o Ministério Público Federal. A Procuradoria, porém, não vê relação desse episódio com o acidente. O inquérito foi encaminhado para a Procuradoria Geral da República, para que seja enviado também ao Ministério Público da Colômbia e da Bolívia.
A relação dos Albacete com a negociação do voo pode colocá-los como responsáveis solidários em eventual pedido de indenização na Justiça, afirmam o advogado Eduardo Lemos Barbosa, que representa familiares de vítimas do acidente, e o engenheiro aeronáutico Shailon Ian. Mas caberia à Chapecoense entrar contra ambos na Justiça em um procedimento chamado de “ação de regresso” –quando alguém condenado a pagar indenização aciona uma terceira parte como maneira de ressarcir prejuízos.
Indenizações
Nenhuma indenização foi paga até o momento pelo acidente – e a perspectiva sinaliza uma longa batalha nos tribunais. A Chapecoense pagou um seguro obrigatório e o seguro feito em nome de atletas e funcionários. O clube ainda deve ser acionado na Justiça por familiares de vítimas. Segundo cálculo do advogado Josmeyr Oliveira, representante de familiares das vítimas, o total de indenização que cabe à Chapecoense se aproxima de US$ 400 milhões, muito maior que os R$ 10,1 milhões de patrimônio que o clube declarou ter em balanço relativo a 2016.
A seguradora da LaMia, a boliviana Bisa, se recusou a pagar o seguro de US$ 25 milhões por entender, entre outros motivos, que o piloto e dono da empresa deliberadamente voou sem combustível, colocando em risco a segurança da aeronave e dos passageiros. A seguradora, declarando “razões humanitárias”, propôs-se a dar US$ 200 mil para cada família de passageiro, desde que aceitem desistir de processar pessoas ligadas à LaMia; o valor não foi aceito até o momento.
Com um dono morto, e o outro foragido – além de um gerente, Gustavo Gamboa, em prisão domicilar – buscar ressarcimento com base no patrimônio da LaMia, a considerar os sócios oficiais, também não será simples. Além disso, a própria empresa parou de operar. Restaria, então, rastrear outras conexões, como a de Loredana e Ricardo Albacete.
O contrato em que Loredana aparece é uma segunda versão apresentada ao MPF, enviada em 5 de julho de 2017. Na primeira versão, aparecem como signatários apenas Chapecoense e LaMia. Não fica clara a razão do acréscimo de Loredana Albacete e do depósito ser feito em nome de empresa ligado e a ela.
A primeira parcela pelo fretamento do avião, de US$ 70 mil, teria de ser paga até 25 de novembro, antes, portanto, da viagem, segundo contrato mencionado pelo Ministério Público. O MPF diz ter recebido um recibo de pagamento, mas tampouco é esclarecido se o valor foi efetivamente pago. A Chapecoense, que forneceu o documento, pediu ao MPF sigilo sobre detalhes do contrato. Ele foi assinado por Miguel Quiroga, dono oficial da LaMia, pela Chapecoense e por Loredana.
Os detalhes da negociação foram descobertos pelo MPF a partir da análise de e-mails de Decio Burtet, uma das vítimas do acidente, então diretor comercial da Chapecoense. As mensagens foram fornecidas pela mulher de Burtet, aponta a investigação.
Ao G1, a Chapecoense informou que só poderia responder às questões depois de entrar com as “ações previstas” na Justiça. Loredana, procurada desde quinta-feira (9), não respondeu –e o procurador do MPF responsável pelo caso está em férias. O G1 não conseguiu contato com Ricardo Albacete.