A revolução da informática não só acabou com o “copydesk” nos jornais como mudou radicalmente a maneira de nos correspondermos com o próximo. Como pudemos viver tanto tempo sem o e-mail ?
Comecei no jornalismo como “copydesk”, uma função que, imagino, não existe mais. Pensando bem, quase nada das redações daquele tempo sobreviveu à modernização da imprensa. A maior transformação, claro, veio com a revolução da informática, que não só acabou com o “copydesk” nos jornais como mudou radicalmente a maneira de nos correspondermos com o próximo. Como pudemos viver tanto tempo sem o e-mail?
Escrever e enviar uma carta exigia esforço e paciência, em tempos pré-eletrônicos. Dava tanto trabalho mandar cartas (comprar papel e envelopes, botar o escrito num envelope, endereçar o envelope) que — esqueci, também precisava levar a carta no Correio e comprar selo — não se sabe como as pessoas tinham tempo para escrevê-las.
Mas escreviam, e muito mais do que nós. Acho até que existia uma relação direta entre a dificuldade para escrever e a quantidade — e a qualidade — do que era escrito. Não há nada parecido, na era dos escritores eletrônicos, com o volume de correspondência dos escritores a pena, que além de manuscrever livros que pareciam monumentos manuscreviam cartas que pareciam livros. Quanto mais fácil ficou escrever, menos os escritores escrevem. Os livros ficaram mais finos e a correspondência se reduziu a latidos digitais, breves mensagens utilitárias cheias de abreviaturas, “envia” e pronto. Já um George Bernard Shaw escrevia uma peça atrás da outra com introduções maiores do que as peças e ainda tinha tempo para escrever cartas para todo o mundo. Geralmente xingando todo o mundo, o que exigia mais tempo e palavras.
Quanto ao jornalismo, a nova técnica também mudou tudo. As barulhentas redações pré-eletrônicas eram áreas conflagradas onde o combate com o teclado duro era um teste de resolução e resistência, um trabalho decididamente braçal. Depois vieram os computadores e o ambiente de chão de fábrica foi substituído pelo de laboratório. Tese: data da informatização o começo do domínio crescente de mulheres nas redações. O fenômeno da bem-vinda invasão feminina pode ser apenas um efeito do teclado silencioso.
*Jornalista da Agência O Globo