Não é fácil viver em sociedade. As pessoas têm opiniões, objetivos e comportamentos diferentes. E quando é necessário compartilhar um espaço comum, pode acabar em problema. Os condomínios são exatamente isso, um segmento da sociedade, um local de compartilhamento de coisas comuns entre pessoas diferentes. São fonte infindável de conflitos.
Aproximadamente um terço da população de São Paulo mora em algum tipo de condomínio, conforme estatísticas de 2014. Cada vez mais as pessoas saem de suas casas e vão morar em prédios. Existem, em São Paulo, 58 mil edifícios, de acordo com dados da AABIC (Associação dos Administradores de Bens Imóveis e Condomínios).
Desta forma, não é difícil se perceber a razão de existir um grande número de problemas – e os mais comuns são as dívidas condominiais, que resultam em ações de cobrança. O número de ações de cobrança de condomínio não para de aumentar. Em 2016, foram distribuídas mais de 600 ações por mês em São Paulo. Até setembro deste ano já foi distribuído o dobro de ações de cobrança do que o registrado durante todo o ano passado.
As ações de cobrança de dívidas condominiais têm regras e características próprias. Embora normalmente seja apenas um o devedor, ou um casal, de uma dívida condominial, e o credor seja o próprio condomínio, os outros condôminos são, também, de forma indireta, os interessados, os beneficiários, nesta dívida. Afinal, quando alguém deixa de pagar a sua cota, são os demais condôminos que têm de arcar com esta despesa. Assim, várias pessoas sempre estão interessadas na solução da dívida.
Mas, como são as ações judiciais? Vamos começar com o que mudou em 2016 com vigência do Novo Código de Processo Civil. Até recentemente, a conclusão das ações de cobrança de dívidas de condomínio podia demorar muitos anos. Isso porque estavam sujeitas à apresentação de defesa. Embora estas defesas sejam legalmente previstas, são quase sempre infundadas. Mesmo depois do julgamento, poderiam existir recursos, até que se constituísse o chamado título executivo, que finalmente permitia a execução da sentença, por via até mesmo de penhora do próprio imóvel.
Em razão desta longa duração dos processos, as dívidas podiam se tornar enormes e por muitas vezes superavam até mesmo o valor do próprio imóvel.
O Novo Código de Processo Cível trouxe mudanças fundamentais no andamento das ações, porque o débito condominial passou a ser considerado título executivo. Assim, proposta a ação, se pula uma etapa (de conhecimento) e a ação passa a tramitar com mais velocidade. Agora é possível fazer mais rapidamente a penhora do próprio imóvel, caso não haja o pagamento. Foi um grande avanço, e agora os devedores têm que priorizar estes pagamentos para não sofrerem um prejuízo maior.
Mas as novidades não param por aí.
É comum que, além das ações de cobrança, sejam aplicadas outras medidas punitivas, como a proibição de usar determinadas áreas comuns, como piscina, elevador ou salão de festas, por exemplo.
Isto é uma fonte de problemas. A questão é bastante objetiva sob a ótica jurídica, porque existe uma série de medidas legais que se aplicam ao caso de cobrança de dívida de condomínio. A dívida condominial tem várias normas especificas. Entre elas, a impossibilidade do devedor alegar que o imóvel é seu bem de família, para impedir a sua penhora. Mas como a disposição – ou o humor – das pessoas não se resolve pela legislação vigente, existem muitos casos nos quais, além das medidas legais de cobrança, alguns condomínios aplicam outras penalidades, como a restrição de uso de áreas comuns do condomínio, já mencionadas aqui.
Embora possam existir algumas decisões autorizando estas medidas, o fato é que, em geral, estas penalidades são consideradas ilegais, e ainda podem gerar indenizações em favor do devedor, porque podem ser entendidas como “constrangimento” ao condômino devedor, bem como a seus familiares.
O Superior Tribunal de Justiça já entendeu que a proibição de utilização de áreas comuns pelo condômino devedor ou de seus familiares expõe ostensivamente esta condição de devedores perante o meio social em que residem, ferindo o princípio da dignidade humana. Por estas decisões, o direito de uso das partes comuns não decorre da situação de adimplência, mas sim, do direito de propriedade, que não se limita à área privada do imóvel; também alcança a fração ideal das partes comuns do condomínio. Por isto que eventual devedor não pode ser limitado em seu acesso a estas áreas. É preciso tomar cuidado, porque este tipo de penalidade pode gerar ações movidas contra o condomínio, e até mesmo indenizações por dano moral.
Corte de serviços – Alguns condomínios chegam a cortar o fornecimento de água ou gás, no caso de inadimplência. Atualmente, vigora o entendimento de que é proibido o corte ou suspensão destes fornecimentos.
Existe uma tendência de instituir a mediação individual, principalmente pela economia que este sistema proporciona. Alguns condomínios têm alterado a convenção para permitir o corte destes fornecimentos em caso de inadimplência. Porém está questão é polemica e não há consenso no judiciário sobre esta possibilidade.
Devedor contumaz – Já a situação do devedor contumaz é diferente. Entende-se por devedor contumaz aquele que, sistemática ou reiteradamente, incorre em dívida, age de modo deliberado e procura tirar vantagem desta situação. Nestes casos, poderá ser aplicada multa de até cinco vezes o valor das despesas condominiais e também é possível ingressar com ação para apurar as perdas e danos. Mas é um longo percurso.
Conclusão: Toda a matéria envolvendo condomínios é muito complexa e gera situações verdadeiramente dramáticas porque envolvem, de um lado, a propriedade privada de cada um, que pode ser livremente utilizada (respeitados os limites legais e de vida em sociedade) com outras áreas, que são de utilização comum.
A sugestão que se pode dar é a seguinte:
Os devedores devem dar prioridade a estas dividas em razão da maior celeridade que estes processos têm recebido.
Pelo outro lado, assim que um dos condôminos se tonar inadimplente, melhor tentar uma composição amigável. O acordo é sempre preferível, até mesmo em consideração à situação do devedor, que pode estar desempregado, se separando e pode necessitar de um tempo para solucionar a sua dívida.
Porém, não sendo possível este acordo, ou não sendo cumprido, a ação judicial é necessária, até mesmo com certa urgência, para se evitar o conflito e o desgaste de todos os condôminos.
A matéria é muito extensa e ainda existem muitos pontos que devem ser discutidos. Mas fica para uma outra vez.
*Economista e advogado especializado em Direito Imobiliário