Ao contrário do que afirmou à polícia, o motorista que atropelou 18 pessoas na Praia de Copacabana negou ao Departamento Estadual de Trânsito (Detran-RJ) que sofria de epilepsia. É o que mostra o questionário assinado por ele em 2015, no ato da renovação de sua Carteira Nacional de Habilitação (CNH), no qual afirmou nunca ter sofrido “tonturas, desmaios, convulsões ou vertigens”, bem como não ser acomedito por doença neurológica.

O documento foi obtido com exclusividade pelo repórter Edmilson Ávila. Segundo o delegado que conduz as investigações, a declaração falsa ao Detran pode agravar a situação do motorista perante a Justiça. Uma bebê de 8 meses morreu no atropelamento, ocorrido na noite de quinta (18).

Na 12ª DP (Copacabana), Antonio de Almeida Anaquim, de 41 anos, disse e que teve um ataque epilético ao volante e perdeu o controle do carro. Ele declarou, ainda, que já teve um outro episódio semelhante há quatro anos e que, desde então, ia ao médico de seis em seis meses e tomava medicamentos regularmente. A data, portanto, é anterior à da assinatura do questionário do Detran.

A mulher que acompanhava Antonio no veículo no momento do atropelamento confirmou a versão de que ele desmaiou depois de ter o ataque. Outras testemunhas já foram ouvidas pela Polícia Civil.

 

 

Omissão de doença pode agravar situação de motorista

 

Para a polícia, Antonio disse não lembrar de ter mentido ser epilético. “Ele afirma que não se recorda dessa informação” [de ter omitido sobre ser epilético], disse o delegado titular da 12ªDP (Copacabana). A polícia informou também que caso Antonio tenha omitido a doença para o Detran, isso pode agravar a situação dele na investigação.

“Qualquer omissão agrava a situação. Isso tudo agrava a situação dele no que tange a pena”, afirmou o delegado Gabriel Ferrando.

O delegado afirmou ainda que continuará ouvindo testemunhas, mas que o depoimento da mulher que estava com ele no carro foi essencial para a investigação. A mulher, segundo a polícia, confirmou o episódio de epilepsia no momento do acidente.

Além de ouvir novas testemunhas, a polícia continuará analisando imagens das câmeras de seguranças da região e vídeos de redes sociais. Um exame de sangue e urina de Antônio também foi pedido pela polícia, que aguardo os resultados.

O delegado disse ainda que a carteira de motorista de Antônio foi retida pela polícia. Ferrando disse ainda que está em contato com o Detran para obter mais informações sobre a situação da documentação do motorista e que só irá liberá-lo da delegacia quando esclarecer todas as questões. A princípio, ele deverá responder ao crime em liberdade.

“Nós estamos apurando uma linha de homicídio culposo, não estou aqui apontando para uma intenção, haja vista que esse ataque epilético tiraria a consciência dele. Eu acho que tenho que analisar a vida pretérita dele, ou seja, se ele tinha consciência desse problema, se ele se colocou em uma situação de imprudência, negligência. Isso vai ser apurado ao longo da investigação”, informou o delegado.

De acordo com a polícia, ele responderá por homicídio culposo, quando não há intenção de matar, em liberdade. A carteira de Antonio foi retida pela polícia.

 

 

Epilepsia não impede direção, esclarece Detran

 

Segundo o Detran, pessoas com epilepsia podem ter CNH. No entanto, precisam passar por uma avaliação neurológica antes de tirar o documento, e o exame médico tem validade menor. Os motoristas com epilepsia só podem ter habilitação na categoria B, para carros.

O neurologista Mário Peres, professor do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP, diz que a epilepsia pode provocar desmaios e “apagões” ao volante – e o paciente nem sempre apresenta os sintomas mais típicos da crise: quando cai ao chão, movimenta-se bruscamente e baba, por exemplo.

Peres afirma que médicos costumam recomendar a restrição de dirigir para pacientes que não estão com a doença controlada. Alguns dos fatores analisados são se há adesão ao tratamento, se não houve crises recentes ou se existe alguma doença relacionada às crises, como um tumor cerebral.

 
 
 
Detran-RJ diz que motorista não informou sobre epilepsia na avaliação para CNH

Detran-RJ diz que motorista não informou sobre epilepsia na avaliação para CNH

“Um paciente bem controlado, que toma medicamentos, pode realizar suas atividades normalmente, inclusive dirigir com segurança”, diz.

O neurologista salienta, no entanto, que outras condições podem provocar desmaios ao volante. “Uma baixa na pressão arterial ou nos batimentos cardíacos ou qualquer condição que diminua o fluxo sanguíneo no cérebro pode provocar esses apagões”, explica Peres.

O Detran informou ainda que Antonio estava com carteira suspensa desde maio de 2014. No entanto, ele não cumpriu a determinação de devolver o documento e fazer um curso de reciclagem. Por dirigir e continuar a cometer infrações com a CNH suspensa, o órgão instaurou um processo de cassação do documento.

 

 

Laudo diz que motorista não bebeu

 

Antonio não tinha consumido bebida alcoólica antes de dirigir na noite de quinta-feira, de acordo com exame feito pela Polícia Civil e divulgado nesta sexta.

O laudo diz que Antonio estava desperto e se apresentou calmo para o exame, fornecendo respostas com clareza de raciocínio, pensamento bem articulado e orientação no espaço e no tempo.

Após o acidente, Antonio foi detido e levado para a 12ª DP (Copacabana), delegacia que abriu inquérito para investigar o caso.

Segundo a Polícia Civil, a principal hipótese é de que o motorista tenha mesmo sofrido um ataque epilético. Como não fugiu do local do atropelamento, Antonio vai responder em liberdade por homicídio culposo, quando não há intenção de matar.

 

Câmera registrou atropelamento

 

Uma gravação do circuito de câmeras de segurança de um dos quiosques da orla de Copacabana mostrou o desespero dos clientes quando o carro avançou sobre os pedestres (veja no vídeo abaixo).

 
 
 
 
Câmera de segurança mostra momento exato de acidente no calçadão de Copacabana

Câmera de segurança mostra momento exato de acidente no calçadão de Copacabana

 

Inicialmente, a Secretaria Municipal de Saúde informou que 17 pessoas foram feridas no acidente. Nesta sexta, a secretaria disse haver mais uma , chegando a 18 o número de feridos, além do bebê morto.

Até o início da tarde, permaneciam internados no Hospital Municipal Miguel Couto, na Gávea, Zona Sul da Cidade. Destas, quatro receberam alta na madrugada desta sexta, e cinco permaneciam internadas até o início da tarde

Uma delas é um turista australiano que está em estado grave. O homem, de 68 anos e que não teve a identidade informada, sofreu traumatismo craniano e respira com ajuda de aparelhos.

As outras sete pessoas feridas foram socorridas no Hospital Souza Aguiar, todas com ferimentos mais leves, incluindo Niedja da Silva Araújo – mãe de Maria Louise Araújo Azevedo, a bebê que morreu no acidente.

 

Motorista invadiu calçadão e atropelou 17 pessoas. Uma bebê morreu (Foto: Cláudia Peixoto/ Arte G1)

Motorista invadiu calçadão e atropelou 17 pessoas. Uma bebê morreu (Foto: Cláudia Peixoto/ Arte G1)