Oscar 2018 só acontece neste domingo (4), mas já é considerado “o Oscar das mulheres”.

De um lado, o tom da cerimônia deve ser marcado por manifestações contra o assédio sexual e em favor da igualdade de gênero em Hollywood. De outro, a lista de indicados dá sinais (mesmo que tímidos) de que a disputa quer deixar de ser vista como “clube do bolinha”.

Em 90 anos de história do evento, apenas cinco cineastas foram indicadas categoria de melhor direção – a mais recente acontece justamente agora, com Greta Gerwig (“Lady Bird: É hora de voar”).

Antes, vieram:

 

  • Luina Wertmuller, por “Pasqualino Sete Belezas” (1975);
  • Jane Champion, por “O piano” (1993);
  • Sofia Coppola, por “Encontros e desencontros” (2003);
  • Kathryn Bigelow, por “Guerra ao terror” (2008), a única vencedora.

 

Já em melhor direção de fotografia, essa presença é mais rara ainda. Neste ano, pela primeira vez uma mulher foi lembrada: Rachel Morrison, indicada por “Mudbound: Lágrimas sobre o Mississippi”.

Mas a que se deve este avanço? Diretoras brasileiras ouvidas pelo G1dizem acreditar que a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, responsável pelo Oscar, se viu obrigada a reconhecer a diversidade.

 

“Isso é o reflexo da luta das mulheres e dos negros americanos que estão conseguindo reformar a própria estrutura da Academia, que a partir de 2016 incluiu um número grande de votantes mulheres, negros e também estrangeiros”, avalia a cineasta Anna Muylaert, de “Que horas ela volta?” (2015).

 

Ela própria integrante da entidade, Anna acredita que “com um quórum mais diversificado, ficou mais possível valorizar profissionais femininos e negros – já que o antigo corpo de votantes (até 2016) era tradicionalmente formado por homens brancos e héteros”.

 

Tata Amaral, diretora de “Um céu de estrelas” (1997), diz que a Academia “foi obrigada a se sensibilizar com as intensas críticas à sua misoginia que vem sofrendo nos últimos anos”.

 

“Acredito que a Academia está sendo obrigada a reconhecer a diversidade, sob risco de ser desacreditada ou de se consagrar como a Academia dos cineastas homens brancos norte-americanos”, afirma.

 

Marina Person, diretora de “Califórnia” (2015), fala que “é meio absurdo” a escassez de mulheres na categoria.

 

Ela acha que “não importa muito se ela [Greta] tem chance de ganhar ou não, mas sim o reconhecimento da Academia, esse primeiro passo de incluir uma mulher entre os cinco indicados, coisa que não aconteceu no Globo de Ouro”.

 

Marina refere-se a uma crítica feita pela atriz Natalie Portman no palco da cerimônia promovida Associação da Imprensa Estrangeira em Hollywood. Ao apresentar o prêmio de melhor diretor, a atriz ressaltou que não havia nenhuma mulher concorrendo.

Diretora de “Elena” (2012), Petra Costa diz ter sido colega de faculdade de Greta Gerwig nos Estados Unidos em 2004 e comenta que “a produção americana ainda é muito masculina”.

 

“Os produtores são masculinos: fazem filmes de homens que falam sobre homens, então é muito difícil uma diretora mulher se consagrar. Com ‘Lady Bird’, que tem uma protagonista mulher, a Academia está começando a se adequar aos tempos atuais, ou pelo menos tentando.”

 

 

‘Lady Bird’ e a temática feminina

 

 
 
 
Assista ao trailer de 'Lady Bird: É hora de voar'

Assista ao trailer de ‘Lady Bird: É hora de voar’

 

Para Anna Muylaert, o investimento da Academia de Hollywood na diversificação de seus integrantes tem um efeito colateral positivo: “um sopro diferente nos filmes”:

 

“‘Lady Bird’ é um filme que não tem as características clássicas de um concorrente de direção ao Oscar, mas tem um frescor e uma originalidade que justificam sua indicação”.

 

Concorrendo ao Oscar em cinco categorias, “Lady Bird” fala sobre a sofrida chegada à vida adulta. Estrelado por Saoirse Ronan, tem temática evidentemente feminina.

 

“Sim, nós ainda temos poucos filmes com uma protagonista mulher, que seja interessante, não esteja simplesmente ligada a algum personagem masculino e também não está procurando casar ou achar o grande amor”, afirma Marina Person.

 

“Na verdade, [o foco do filme] é a relação dela [a protagonista] com a mãe, duas mulheres, isso também é um grande feito.”

 

A 1ª diretora de fotografia

 

Rachel Morrison é a primeira diretora de fotografia indicada ao Oscar. Além de “Mudbound”, com o qual concorre à estatueta, exerceu a função por exemplo em “Pantera Negra” (2018).

A brasileira Andrea Capella, diretora de fotografia de “A fuga da mulher gorila” (2009), celebra: “Claro que é lindo ver cada vez mais mulheres conquistando espaços, se reunindo, reverberando e se fortalecendo mutuamente – juntas somos mais fortes – como foi no Globo de Ouro, como é na DAFB, coletivo de diretoras de fotografia que fundamos há pouco tempo aqui no Brasil”.

 

Citando a também diretora de fotografia Reed Morano, que em 2013 foi convidada a entrar na Academia, Andrea diz que isso “marca presença em um espaço dominado pelos homens e é simbolicamente importante para todas as mulheres”. “Temos que comemorar e falar sobre isso.”

 

Pesquisam apontam mulheres em ‘desvantagem’

 

Defensora da diversidade e da igualdade de gênero em Hollywood há muitos anos, a atriz Geena Davis criou, em 2004, um grupo de pesquisa sem fins lucrativos para estudar o tema. O site do Geena Davis Institute on Gender in Media classifica como “mito” a ideia de que as coisas vão bem para as mulheres que trabalham atrás das câmeras.

 

O relatório do Geena Davis Institute on Gender in Media informa que somente 7% dos diretores, 13% dos roteiristas e 20% dos produtores são mulheres.

No Brasil, a discrepância se repete. Um levantamento divulgado pela Agência Nacional do Cinema (Ancine) em janeiro deste ano apontou que, de 142 longas-metragens lançados comercialmente no país em 2016, 19,7% foram dirigidos por mulheres (nenhuma delas negra).

Um estudo anterior, chamado “A cara do cinema nacional” e feito pelo Grupo de Estudos Multidisciplinar da Ação Afirmativa (GEMAA), núcleo de pesquisa do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp) da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), analisou os filmes de maior bilheteria no Brasil lançados entre 2002 e 2012.

O resultado foi que 84% dos diretores eram homens brancos, 13% eram mulheres brancas e 2% eram homens negros. E nenhum filme foi dirigido por mulher negra.

O coletivo Diretoras de Fotografia do Brasil (DAFB) calcula que 78% dos filmes de ficção lançados no Brasil entre 1995 e 2015 não tinha sequer uma única mulher na equipe de fotografia. Do total, 17% tinham apenas uma mulher; 4% tinham duas; e 1% tinha três ou mais.

Ainda sobre a histórica primeira indicação de uma mulher na categoria melhor direção de fotografia nos 90 anos de Oscar, Marina Person entende que “isso é só um reflexo do quanto essa é uma profissão superdominada pelos homens”:

 

 

“As diretoras de fotografia mulheres enfrentam os melhores problemas que as diretoras. São duas profissões predominantemente masculinas, dominadas pelos homens há muitos anos”.