Mesmo sem saber, cada brasileiro adulto, hoje, está se posicionando – muitas vezes radicalmente – diante de duas macro-opções para a sociedade e para o futuro; opções escancaradas nos embates diários, porém com seus fundamentos e consequências velados, porque falam os interesses específicos (como se fossem gerais e benéficos para todos) e são calados os malefícios que carregam consigo.

Dizem os reformistas conservadores (os que brigam pelas reformas trabalhista e previdenciária e buscam reduzir a intervenção estatal na economia e desarticular as políticas sociais, e a quem os adjetivo de neoliberais cai muito bem) que o fundamental é resgatar a eficiência da economia, para, assim fazer crescer o PIB e, junto, o emprego, a arrecadação tributária, as expectativas que aumentam os investimentos. Atribuem a ineficiência, que denotam odiar, às intervenções governamentais (para eles odiosas) que dão garantias aos trabalhadores e promovem alguma redistribuição da renda e riqueza (embora muito pouca, de fato). Têm a seu favor, argumentos teóricos recentes (mas claramente requentados) e muito pouca evidência empírica, no caso do Brasil, além de uma opinião pública raivosa, baseada numa classe média desesperada devido a mudanças recentes que lhe deram a sensação de redução do status social que imagina ter.

Argumentam, por seu turno, os defensores de políticas sociais redistributivas e de maior intervenção governamental na economia, principalmente via política econômica – de curto prazo (porque política de desenvolvimento, de longo prazo, ninguém parece querer, ou conseguir, tratar, ultimamente) –, que o país necessita, para se desenvolver, de maior equidade, além de eficiência: o Brasil acumula injustiças sociais desde o descobrimento.

Eficiência versus equidade: as duas opções que se polarizam, pois, no debate atual, embora debaixo do tapete. Parece que uma precisa ser destruída para que a outra sobreviva, parece que não podem conviver numa economia de mercado. E isso é um tremendo equívoco, inclusive teórico.

Atualmente um economista tem que estar muito defasado teoricamente para não admitir a importância das preocupações com a equidade no desenvolvimento econômico. Está claro para a Ciência Econômica que tanto o crescimento do bolo (cujo fermento é a produtividade ou, o que dá na mesma, a eficiência produtiva) quanto a distribuição de suas fatias (relacionada à equidade), são determinantes dos níveis de bem-estar social. Só não percebem isso aqueles economistas (?) que, equivocadamente, não fazem a distinção entre eficiência social e bem-estar social. A primeira diz respeito a quão adequadamente uma sociedade combina os insumos produtivos de que dispõe para gerar o máximo de bens e serviços, mantido um dado nível de distribuição dessa riqueza, que parte de uma distribuição inicial não questionada e opera respeitando estritamente a lei da oferta e da demanda nos mercados – de bens finais, de bens intermediários, de trabalho, financeiro etc., cada qual retirando do bolo “o que merece pelo próprio suor”. A segunda, mais ampla, considera que existem vários níveis de eficiência social possíveis a partir de uma dada combinação entre eficiência e equidade. Nesta, há espaço para a política: é permitido à sociedade escolher o quanto aceita suportar de injustiça nas relações econômicas e nos resultados da produção material. Contrariamente, à primeira postura, esta cala qualquer argumento que não aceite a soberania exclusiva da máxima eficiência, mesmo à custa de muita injustiça; nela a política é tola e indesejável: seus juízos de valor desconsideram a inexorável lógica do mercado, que pune com pobreza quem assim se comporta.

Curiosamente, então, aqueles políticos – e não são poucos – que abraçam a opção da eficiência social confundindo-a com o bem-estar social jogam contra a política: atacam aquilo em que, em tese, são os melhores operadores de que a sociedade dispõem…

No Brasil, quem ainda tem dúvida a respeito da urgência de se lidar com a equidade, mesmo sabendo-se da importância de não descuidar da eficiência, para se chegar a níveis de bem-estar social minimamente aceitáveis, em um país tão rico e tão cheio de oportunidades, ou é ignorante ou é mal-intencionado. A história recente já deu lições suficientes para todos a esse respeito: quando se reduz a desigualdade, vive-se melhor. Nem seria necessária a teoria econômica para se chegar a essa evidência.

Os problemas e questões conflitivas com que o Brasil lidará neste e nos próximos anos serão muitos, em sua maioria girando em torno da necessidade de uma justa adequação entre eficiência e equidade nas relações econômicas. A escolha de uma combinação entre esses dois fatores cruciais passa pelo papel e peso do Estado na economia do país. E essa escolha, bem se vê, depende de quem governa, de quem faz as leis, de quem julga, de quem e de como são disseminadas as informações que levam à formação das opiniões. Pelo menos sobre quem governa – eleitos – a sociedade pode ter algum controle, ao menos escolhendo, senão os melhores, os menos piores, para a composição dos poderes Executivo e Legislativo. Da eficiência dessa escolha dependerá, em grande medida, a sobrevivência da busca de alguma equidade no Brasil do futuro, que bate à porta sem paciência para esperar. Como, de resto, dessa escolha dependerá o futuro do capitalismo: será um desastre se o mercado e as instituições não derem conta de sanar as fissuras no sistema, global, provocadas pela desconsideração à equidade, em geral benéficas para rentistas, problemáticas para os setores produtivos e desumanas para os que vivem do trabalho.

 

 

*Professor da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp de Araraquara