Os homens transexuais (mulheres que fizeram transição para o gênero masculino), com menos de 45 anos, devem alistar-se nas Forças Armadas assim que obtiverem o novo registro civil, refletindo a mudança de sexo e nome, segundo o Ministério da Defesa. Já as mulheres trans (homens que mudaram para o gênero feminino), que alteraram seus documentos antes dos 18 anos, deixam de ter a obrigação de se apresentar para o serviço militar obrigatório. 

O posicionamento oficial da pasta ocorreu na semana passada, diante de consulta feita pela Defensoria Pública do Rio. O órgão enviou ofício à pasta questionando a situação, uma vez que não há lei sobre o tema. Em resposta à Defensoria, o ministério informou que os homens trans devem alistar-se em uma das Forças. Avisou também que podem ser convocados a prestar serviço militar obrigatório ou fazer parte do cadastro da reserva para eventual convocação se necessário. 

“Temos conseguido muitas sentenças para retificação do nome e do sexo nos documentos”, diz a defensora Lívia Casseres, do Núcleo de Defesa da Diversidade Sexual e Direitos Homoafetivos da Defensoria Pública do Rio. “Mas, no caso de homens que nasceram mulheres e buscam ser reconhecidos como homens, a mudança de documentos não resolve todos os problemas. É que os homens precisam do Certificado de Reservista para fazer concurso público, tirar passaporte, título de eleitor, entre outras coisas. Pelo volume de pessoas com esse mesmo problema, pedimos orientação do ministério.

 
 

“Para ter certificado de reservista, os homens trans (como os demais) devem comparecer à Junta de Serviço Militar mais perto de casa. Já a mulher trans não precisa se apresentar se a alteração dos documentos tiver sido feita antes dos 18 anos. Se a mudança for após o serviço militar obrigatório, o certificado deixa de ter utilidade a ela. 

O serviço militar obrigatório é composto de três etapas: o alistamento, a seleção e a incorporação ao serviço militar. Nem todos passam pelas três etapas. Muitos são dispensados na seleção geral por excesso de contingência ou por não atenderem aos critérios exigidos. 

“No caso das pessoas trans, o serviço militar obrigatório deveria ser limitado ao alistamento, para cumprir as exigências legais, dando a opção de dar seguimento ou não às outras etapas”, diz Giowana Cambrone, professora de Direito da Família, transexual e ativista LGBT. “Pelas características dos treinamentos, das atividades dos quartéis e da cultura organizacional das Forças Armadas, considero que pode ser muito arriscado e mesmo causar danos psíquicos e físicos a presença de homens trans nas corporações.” 

Mas ativistas alegam que muitos homens trans querem servir ou, pelo menos, ter assegurado seu direito de servir. E haveria preconceito por parte das Forças, que nunca os convocariam. A Defesa garantiu não haver preconceito. E explicou que, entre o alistamento e a seleção não há exame físico; a escolha é feita só com base no número do CPF. O que ocorre, diz a pasta, é que em muitos locais há excesso de contingente. 

Clandestinidade 

No fim dos anos 1970, o sexólogo, escritor e ativista João W. Nery, de 68 anos, se apresentou em uma cidade do interior, onde sabia haver excesso de contingente, para ser dispensado do exame física, conta. Ele fez a transição em 1977, quando ninguém conhecia a palavra trans. “Para fazer um novo registro, do sexo masculino, fui ao cartório no peito e na marra e disse simplesmente que não tinha documento algum. Que precisava tirá-los.” 

Ele conseguiu os novos documentos e o Certificado de Reservista. Mas perdeu os registros pregressos, incluindo a formação escolar, o diploma de Psicologia e o de mestrado. “Passei 30 anos me escondendo da polícia – afinal tinha dois CPFs -, até meu ‘crime’ prescrever.” 

Violações 

Em janeiro, o Ministério Público Federal (MPF) emitiu recomendação para que Marinha, Exército e Aeronáutica aceitem transexuais. A Transexualidade, diz o MPF, não pode ser determinante para reformar ou considerar militares incapazes. A recomendação, sem caráter judicial, veio em decorrência de inquérito civil que apura a violação de direitos humanos de trans nas Forças. 

O Ministério da Defesa diz não orientar “o processo seletivo de recrutamento e incorporação por qualquer critério excludente que não esteja baseado em condições de desempenho respaldadas por exames médicos”. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.