O juiz da 1ª Vara da Comarca de Presidente Venceslau, Gabriel Medeiros, condenou nesta quarta-feira (21) o principal chefe da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, a 30 anos de reclusão por envolvimento em um esquema criminoso que contava com a participação de advogados e foi descoberto pela Operação Ethos, desencadeada em 2015 pelo Ministério Público Estadual (MPE) e pela Polícia Civil.
Marcola já está preso e cumpre pena na Penitenciária 2, em Presidente Venceslau. A sentença ainda o condenou ao pagamento de 480 dias multas, cada qual fixado em 1/30 do salário mínimo. A pena foi estabelecida com base nos crimes previstos na lei federal nº 12.850/2013, que trata de organização criminosa, e ainda por corrupção ativa.
As investigações realizadas pela Operação Ethos demonstraram mais do que um projeto de intervenção do PCC em um organismo atrelado ao Estado, mas sim um grande esquema de pagamentos de propinas a agentes públicos ou integrantes do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe), a partir da célula jurídica da facção criminosa, composta por mais de 40 advogados, também com o objetivo de prestação de assessoria e lavagem de capitais, segundo consta na sentença.
“Essa célula era denominada ‘Sintonia dos Gravatas’, e foi criada, de início, para prestar serviços exclusivamente jurídicos aos líderes do PCC. Com o transcurso do tempo, esse núcleo evoluiu, transbordando da assessoria jurídica para servir de elo de comunicação das atividades criminosas entre os líderes da facção presos e aqueles fora do sistema prisional”, relata a sentença do juiz Gabriel Medeiros.
A partir desta célula, os advogados integrantes passaram a realizar serviços aos líderes do PCC, que não apenas jurídicos, como assistência a familiares dos detentos, em auxílio funerário, e contribuições financeiras para imprevistos. Os advogados também eram os responsáveis por estruturar e custear os serviços médicos prestados aos detentos integrantes da cúpula ou outros por eles indicados. Todo o pagamento desses serviços era feito com dinheiro de origem ilícita da organização, proveniente do lucro do narcotráfico e demais crimes, de acordo com a sentença.
“Nessa toada, os advogados integrantes do corpo jurídico do PCC raramente realizavam serviços de índole jurídica aos líderes, pois essa tarefa ficava a cargo de outros advogados contratados para esse fim específico, ou seja, os advogados denunciados formaram verdadeira associação irregular, valendo-se de prerrogativas de índole constitucional, em especial do sigilo das informações de clientes, para a prática de crimes”, relata o juiz.
Em razão da dificuldade de comunicação entre os integrantes do PCC, por força de bloqueadores de aparelhos celulares, instalados nos principais presídios do Estado, onde a cúpula encontra-se presa, que são a P2, em Presidente Venceslau, o Centro de Readaptação Penitenciária (CRP), em Presidente Bernardes, e a P1, em Avaré, os advogados denunciados também atuavam como “pombos correios”, recebendo e levando informações entre os presos e demais integrantes em liberdade.
De acordo com a sentença, os réus, cientes da origem ilícita dos recursos do PCC, se comunicavam entre si e com líderes da organização por meio de e-mails, valendo-se de codinomes e endereços eletrônicos falsos para o recebimento de valores, sendo os escritórios de advocacia apenas de fachada, servindo como ponto de apoio da organização para a obtenção e a retransmissão de informações entre presídios.
“Os réus advogados compõem a ‘Sintonia dos Gravatas’ ou ‘Célula R’, e são pagos mensalmente pelo PCC com dinheiro proveniente do tráfico de drogas, cebola [mensalidade paga pelos integrantes] e sorteios, entre outros crimes realizados pela facção”, reforça a sentença.
“Dessa forma, não há qualquer vínculo entre advogado e cliente, mas sim uma relação entre advogado e organização criminosa, para atender pessoas vinculadas ou colaboradoras do PCC, com remuneração proveniente de dinheiro de origem ilícita”, detalha a decisão.
Ainda segundo a sentença, os advogados réus são responsáveis por cooptarem agentes do Estado, mediante pagamento de vantagens indevidas, para prestarem serviços e exercerem influência em favor da organização e também levantar dados de outros agentes públicos para eventuais atentados contra eles.
“A organização Primeiro Comando da Capital [PCC] é composta por centenas de pessoas, espalhadas por todo país, com divisão de tarefas, voltada para o narcotráfico, com cometimento de vários crimes (tráfico de drogas, porte de arma, homicídios, corrupção ativa, roubos, extorsão mediante sequestro)”, observa o juiz.
Conforme o magistrado, as provas apontadas nas investigações corroboram o entendimento de que o PCC passou a contar com uma célula jurídica, tanto que os advogados a ela pertencentes, financiados pelos lucros advindos com os crimes cometidos pela organização criminosa, precisavam ser identificados por códigos e orientados a seguirem protocolos de segurança, dentre eles utilizarem celular encaminhado pelos gestores da organização e ter e-mail e perfil falsos.
“Como se vê, as provas demonstram toda logística da facção, bem como sua organização; ainda o suporte financeiro que tal demanda de serviços exige, visto que todas as despesas são custeadas pela facção aos seus integrantes ‘advogados’, ‘Gravatas'”, indica Medeiros.
“Se os advogados se corrompem, no sentido amplo da expressão, corrompido estará o Estado Constitucional Democrático de Direito”, observa o juiz.
Marcola
Em seu depoimento à Justiça, Marcola negou que fizesse parte do Primeiro Comando da Capital e afirmou que nunca chefiou a célula jurídica. Ele contou que ficou conhecido como ‘Marcola’ porque quando entrou no sistema penitenciário os líderes do PCC mandavam matar presos que não fossem da facção e, então, fez oposição a esta organização criminosa e declarou guerra contra eles. Quando os derrotou, passou a ser visto como líder do PCC.
Para o juiz, a negativa apresentada pelo acusado é fantasiosa e destoa das provas produzidas nos autos.
“Contudo, o conjunto probatório deixa claro que o réu não era apenas um integrante do Primeiro Comando da Capital atendido pela célula jurídica, e sim o líder desta facção criminosa”, enfatiza Medeiros.
Segundo o juiz, mensagens demonstraram a liderança de Marcola perante a célula jurídica e poder aquisitivo perante a organização criminosa, segundo as quais o acusado custeou parte do tratamento médico realizado por outro integrante da facção.
As provas também revelaram cuidados e privilégios de Marcola por meio da célula jurídica.
“Percebo que ao réu é dado tratamento diferenciado dos demais presos, até mesmo daqueles que compõem o Conselho Deliberativo, eis que é a própria advogada quem o questiona sobre a necessidade de tratamento médico/medicamento, sem a necessidade de prévia requisição, como se viu com os demais acusados”, afirma o juiz.
‘Botox’
De acordo com a sentença, ficou claro nos autos que o pedido de aplicação de “botox” no acusado tinha a finalidade estritamente estética, o que somente seria cabível aos líderes da organização criminosa, e que a célula tentou forjar meios para atender a solicitação de Marcola. Tanto é assim que da leitura de e-mails que fazem parte do processo depreende-se que o dentista contratado para atender Marcola não daria um laudo falso para paciente que não tenha diagnóstico ortodôntico para aplicação de “botox”.
“Em mais uma oportunidade, fica nítida a importância dada ao acusado Marcos Willians pelos membros e gestores da célula jurídica, tanto que quando ele machucou o braço o setor se mobilizou para que a cirurgia fosse realizada em caráter de urgência”, relata o juiz.
“Todavia, ainda que se acreditasse nas alegações do acusado, no sentido de que ele não exerce a liderança do Primeiro Comando da Capital, certo é que as provas não deixam dúvidas de que ele integra referida organização criminosa e exerce função de comando dentro da célula jurídica”, conclui o magistrado.
“Portanto, a teor das provas produzidas, o acervo probatório revela que o acusado Marcos Willians H. Camacho integrava a organização criminosa denominada Primeiro Comando da Capital, e fazia parte da cúpula de referida organização, sendo o principal líder desta”, enfatiza o juiz.
Além disso, Medeiros indica que de igual maneira ficou demonstrada a grande influência do acusado perante a célula jurídica, sobretudo nos assuntos mais importantes, de modo que, conforme a Teoria do Domínio do Fato, a participação do réu para o aliciamento de membro de órgão dos direitos humanos para atuar em favor dos interesses do Primeiro Comando da Capital restou caracterizada.
A conclusão do juiz é de que restou demonstrado que Marcola, como líder do Primeiro Comando da Capital, também exercia função de comando dentro da célula jurídica.
“Ficou comprovado que os temas mais importantes da célula deviam passar pela aprovação de Marcola, do que se infere que ele estava acima daqueles membros que compunham o ‘Conselho Deliberativo’, também responsáveis pela ‘Sintonia dos Gravatas’. Desta forma, exercia o réu função de comando/liderança na célula jurídica, por meio da qual o PCC estendia seus tentáculos para outros segmentos da sociedade”, argumenta Medeiros.
“Estamos diante de uma organização criminosa primitivamente concebida à margem da legalidade, cujo objetivo único sempre foi o de agredir diretamente valores caros à nação, fazendo do tráfico de drogas, extorsão mediante sequestro, homicídios, latrocínio e demais patrimoniais, corrupção de agentes públicos (em todos empregando forte armamento, inclusive armas de uso restrito e proibido) suas principais atividades, colocando em autêntico risco os objetivos da República, ignorando seus fundamentos. O desvio de conduta de seus integrantes é a regra, da qual não se tem notícia de exceção. O recolhimento em unidades prisionais de segurança máxima não os impede de cometer crimes”, enfatiza o juiz.
O juiz ressalta que Marcola ostenta diversas condenações, ou seja, cometeu crimes enquanto ainda cumpria pena por outros delitos, recluso em regime fechado em estabelecimento prisional de segurança máxima, “do que se infere que tenha feito da cadeia o seu próprio escritório”. “Cabível anotar também que as certidões demonstram que o réu já praticou crimes em concurso de agentes”, observa Medeiros.
O juiz entende que as provas demonstram que Marcola exercia função de comando/liderança dentro da célula jurídica, estando as gestoras e advogados integrantes do PCC subordinados a ele (inclusive os advogados diretamente envolvidos no crime de corrupção ativa), e conclui que tinha o domínio do fato.
“Não se esqueça que o réu, como líder principal do PCC e membro maior da ‘Sintonia dos Gravatas’, era consultado nos assuntos de maior interesse e quem determinava a forma como o dinheiro seria empregado (autorizava pagamentos e determinava o meio como o dinheiro chegaria na mão de seus destinatários), o que possibilitou os pagamentos por meio da célula jurídica, dentre eles para praticar o suborno de funcionários públicos”, complementa o magistrado, para quem era Marcola “quem detinha o domínio da conduta”.
“De início, observo que mesmo preso em estabelecimento prisional de segurança máxima o réu voltou a delinquir, o que demonstra personalidade voltada para prática de crimes”, diz o juiz sobre Marcola.
“Essa organização integrada pelo réu configura verdadeiro estado paralelo, atuando severamente na prática de diversos outros crimes graves, como tráfico de drogas, roubos e homicídios, com regras dispostas em estatutos, tudo a demonstrar a extrema reprovabilidade de suas condutas e a justificar a exasperação da reprimenda”, argumenta Medeiros.
Outros réus
O juiz Gabriel Medeiros também condenou nesta quarta-feira (21) outros sete réus envolvidos na Operação Ethos.
Assim como Marcola, os réus Cleber Marcelino Dias dos Santos, Marcos Paulo Ferreira Lustosa, Daniel Vinicius Canônico, Paulo Cezar Souza Nascimento Júnior e Paulo Pedro da Silva receberam uma pena de 30 anos de reclusão e 480 dias multas, cada qual fixado em 1/30 do salário mínimo.
O réu Paulo Felipe Esteban Gonzalez foi condenado a 14 anos de reclusão.
Já o réu Paulo Roberto Penha pegou 12 anos e três meses de reclusão.
O juiz decidiu absolver o réu Márcio Domingos Ramos por não existir prova suficiente para a condenação.
Ainda cabe recurso contra a sentença da primeira instância.