Em setembro de 2016, escrevi artigo, publicado em vários jornais, intitulado “A desconstrução do futuro”, no qual observei o descompasso entre as políticas públicas relativas às cidades no Brasil e as recomendações da Terceira Conferência da ONU sobre Habitação e Desenvolvimento Urbano Sustentável (Habitat III), que seria realizada em Quito, no Equador, de 17 a 20 de outubro. Transcorrido um ano, a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), com apoio do Programa das Nações Unidas para Assentamentos Humanos (ONU-Habitat), realizou, em Santiago, no Chile, a Conferência das Cidades, destinada a implementar as medidas sugeridas no Habitat III.

Um dos aspectos discutidos neste evento é a necessidade de um planejamento urbano que proteja as cidades de riscos de desastres, como inundações. Outro avanço refere-se à importância de se implementarem mais parcerias público-privadas e várias frentes de colaboração entre governos e empresas para se promover o desenvolvimento dos municípios, que implica mobilidade, empregabilidade, segurança, bem-estar, moradia digna e sustentabilidade socioeconômica.

Esta síntese sobre a Conferência de Santiago nos alerta que continuamos no caminho errado no Brasil, a começar pela falta de sintonia do poder público em relação à parceria com a iniciativa privada, recomendada por alguns dos maiores especialistas mundiais no tema. O problema começa com a falta de adequado planejamento para a expansão das cidades, cujo crescimento é desordenado, suscitando providências improvisadas para o trânsito, moradia, abastecimento de água, coleta e tratamento de esgotos, geração de empregos e segurança pública.

Falta-nos mais diálogo com a sociedade e os setores produtivos, aproximação com universidades para a aplicação prática de seu conhecimento e segurança jurídica para investir, além de todos os onerosos itens do “custo Brasil”. Com honrosas exceções, os planos diretores quinquenais dos municípios estão longe de conter parâmetros eficazes para o desenvolvimento urbano.

Também poderíamos ter uma infraestrutura urbana e habitacional mais avançada, independentemente das crises econômicas intermitentes, se não fosse tão dificultada a realização de projetos socioambientalmente sustentáveis, que contemplam moradia, água, esgoto, saúde, escolas e infraestrutura. Há numerosos empreendimentos legalmente aprovados e licenciados, mas paralisados por força de discussões judiciais na esfera ambiental. É um custo com o qual todos os brasileiros arcam, considerando o investimento desperdiçado, os empregos não criados, a arrecadação de impostos não efetivada e os problemas sociais e demográficos decorrentes do déficit de moradias.

Na maioria das vezes, no caso dos projetos ecologicamente corretos, a paralisação não se justifica, pois os processos de aprovação e licenciamento ambientais aperfeiçoaram-se, assim como o entendimento dos empreendedores e a tecnologia disponível, além de todos os processos compensatórios eficazes.

O fato de o Brasil estar desconectado das recomendações dos especialistas e organizações multilaterais, como a ONU e a Cepal, está expresso nos números de nossas metrópoles, os quais revelam a proliferação de favelas, o desemprego, a poluição, saneamento básico insuficiente, criminalidade, congestionamentos no trânsito, quedas na rede de energia elétrica e qualidade de vida decrescente. Falta em nosso país a percepção de que esses problemas poderiam ser mitigados por um planejamento urbano de longo prazo, que levasse em conta a inexorabilidade do crescimento e adensamento urbano. Sem priorizar investimentos em soluções urbanísticas que assegurem qualidade de vida e um futuro melhor para os brasileiros, corremos o risco de perpetuar os índices negativos do bem-estar urbano.

Na Conferência de Santiago, demonstrou-se que 85% da população da América Latina e do Caribe estarão vivendo em cidades até 2050. Para nós, brasileiros, permanece no ar a pergunta: como enfrentaremos esse desafio?

 

*Diretor de Marketing