O Supremo Tribunal Federal (STF) manteve uma resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que proíbe aditivos de sabor e aroma em cigarros. Mas abriu brecha para a indústria tabagista buscar apoio em instâncias inferiores. O tema dividiu o plenário da Corte, com cinco ministros se posicionando a favor da resolução e outros cinco, contra. 

 

A decisão do STF, no entanto, não tem caráter vinculante. Ou seja, na prática, as indústrias ainda poderão recorrer a instâncias inferiores e eventualmente obter liminares favoráveis ao uso de aditivos em cigarros. O ministro Luís Roberto Barroso se declarou impedido e não votou. Em meio ao impasse, a Corte manteve na prática os dispositivos da Anvisa, por não haver os seis votos necessários para derrubar a norma – mínimo de votos exigido na legislação para declarar a inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo do poder público.

 
 

O julgamento, iniciado em novembro, girou em torno de uma ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) contra a resolução da Anvisa. No centro do debate, estava a discussão sobre os limites de atuação de agências. 

Para a relatora do caso, ministra Rosa Weber, a Anvisa atuou “em conformidade com os limites constitucionais e legais das suas prerrogativas”. “A competência da Anvisa para regulamentar produtos que envolvem riscos à saúde necessariamente inclui a competência para definir por meio de critérios técnicos os ingredientes que podem ou não ser utilizados na fabricação de tais produtos”, disse. 

Para ela, a Anvisa nada restringiu ou proibiu em relação a qualquer aroma ou sabor naturalmente presentes no tabaco, e sim em relação a ingredientes artificiais. Na avaliação da relatora, a adição de sabor e aromas de frutas, mel, açúcar e temperos impulsiona a iniciação de consumidores no uso do cigarro. “A nicotina por si só justifica a existência de todo o rígido aparato regulatório incidente sobre produtos derivados do tabaco, cuja instrumentalização se mostra não só legítima, como a meu juízo necessária. As restrições da diretoria colegiada estão devidamente amparadas no ordenamento vigente.” 

Em setembro de 2013, Rosa havia concedido liminar para suspender a eficácia de dispositivos da resolução da Anvisa, até que o tema fosse apreciado pelo plenário da Corte. Com a conclusão do julgamento, a liminar da ministra, antes favorável aos interesses da indústria, perdeu a eficácia. Além de Rosa, se posicionaram a favor da resolução da Anvisa os ministros Edson Fachin, Ricardo Lewandowski, Celso de Mello e a presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia. “A Anvisa não fez isso a seu bel-prazer, ela se baseou em estudos internacionais que hoje são públicos. Crianças e adolescentes são particularmente estimulados a utilizar o cigarro a partir desses aditivos”, argumentou Lewandowski, ao destacar que o assunto trata de um problema de saúde pública. Para Cármen, “não há inconstitucionalidade a ser declarada” no caso da resolução da Anvisa. 

Divergência 

Contra a resolução da Anvisa votaram os ministros Alexandre de Moraes, Luiz Fux, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello. Ao abrir a divergência, Moraes alegou que houve desrespeito ao princípio da legalidade, já que a Anvisa teria extrapolado suas competências. “Não houve delegação (pela lei) para que a Anvisa pudesse escolher uma espécie de produto e falasse: ‘Essa está vedada’.” 

O ministro Gilmar Mendes, por sua vez, defendeu a liberdade de opção dos consumidores. “São escolhas que as pessoas fazem no âmbito da chamada autodeterminação. Do contrário, o mundo fica muito sem graça. Não pode andar no mato, correr de automóvel, não pode fazer alpinismo. Não é ser Supernanny (programa de televisão em que uma babá disciplina crianças), é respeitar a liberdade das pessoas de escolha, provendo informações para que as pessoas façam as escolhas. Morrer, todos vamos morrer.” 

A Anvisa não se pronunciou nesta quinta, mas reiterou que a norma tem como objetivo a preservação da saúde, “dentro das prerrogativas normais da agência”. Vários grupos antitabagistas, além da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), já haviam reiterado seu apoio ao veto dado aos aditivos. 

Os advogados da indústria, na sessão plenária, destacaram que a indústria já obteve liminares em outras instâncias como salvaguarda a seus produtos. Nota no mesmo sentido foi divulgada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI.) 

Sensação falsa 

A publicitária Karina Furquim, de 31 anos, conta que começou a fumar aos 15 anos e, no início, recorria a cigarros aromatizados. Por isso, defende a proibição do uso de aditivos em produtos derivados do tabaco por acreditar que eles facilitam a aquisição do hábito em jovens. “Quando eu era adolescente, as lojas não vendiam o cigarro normal para menores, mas vendiam esses cigarros aromatizados”, conta. 

A estudante Heloísa Artioli, de 19 anos, também já experimentou cigarros aromatizados, de canela e menta, em festas com os amigos. “Sei que faz tão mal quanto o cigarro comum, mas, como eles têm um gosto e um cheiro mais agradável, cria uma falsa sensação de que não agridem tanto a saúde.” 

O estudante Caio Calderolli, de 18 anos, diz acreditar que a proibição pode evitar que jovens comecem a fumar muito cedo porque os produtos aromatizados dão a impressão de serem fracos. “É mais fácil fumar um cigarro desses do que o comum, por causa do sabor e do cheiro que mascaram efeitos”, diz. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.