Os grupamentos que habitam o centro da sociedade estão dispersos. Aí estão os densos núcleos de profissionais liberais – médicos, engenheiros, economistas, comunicadores, educadores, dentistas etc -, pequenos e médios proprietários, enfim, os contingentes que exercem maior influência na pirâmide social. O centro tem o poder de irradiar seu pensamento para as margens, fazendo círculos concêntricos que se formam ao se jogar uma pedra no meio da lagoa.
A dispersão dos habitantes do meio da pirâmide ocorre por diversas causas. Primeiro, a indignação contra a velha política e seus protagonistas. Os escândalos em série envolvendo políticos e agentes de negócios, que têm alimentado as pautas das mídias, têm provocado um sentimento de repulsa contra corruptos. Por extensão, contra todos os participantes da esfera política, representantes e governantes. O centro deu as costas aos políticos.
O mesmo não se pode dizer em relação às margens, porquanto estas ainda se amarram nos fios do fisiologismo, o que lhes garante bolsas e outras compensações feitas por políticos. Por isso, o grau de renovação que se espera no Congresso – deputados e senadores – se dará com mais força nas áreas centrais, onde as classes médias guardam um voto mais racional do que o voto emotivo das camadas mais carentes.
O meio busca o novo na política, que deve ser entendido não apenas como candidatos jovens, mas perfis comprometidos com ideias renovadoras, propostas sérias e críveis. Daí a inclinação para se escolher pessoas assépticas, não contaminadas pelo vírus da politicalha.
Os profissionais liberais começam a olhar para os horizontes e a distinguir os perfis que lhes possam parecer diferentes e interessantes. Por enquanto, ainda não encontraram o foco. No meio da pasmaceira, quem está se distinguindo é o deputado Jair Bolsonaro, um ex-militar com visão radical, cuja expressão aguda agrada a muitos que desejam limpeza geral na política. Mas é pouco provável que essa personalidade cheia de arestas e carregando polêmica tenha condições de chegar ao pódio. É uma escolha por falta de opção, no caso, um candidato com voz de autoridade, credibilidade e respeitabilidade.
A dispersão das classes médias ocorre na esteira do imenso vazio aberto por falta de propostas para atender às urgentes demandas sociais. A violência campeia. As ruas encontram-se sem policiamento ou com escassos destacamentos policiais. A situação falimentar dos Estados deixa servidores com salários atrasados. Os governantes não cumprem de maneira eficiente as tarefas e deveres. Na maior parte dos Estados, a avaliação é muito negativa. Poucos se reelegerão.
Em abril, a campanha começará a esquentar. Os candidatos iniciarão sua perambulação. Suas identidades e histórias serão conhecidas. É razoável, portanto, supor que as classes médias comecem a descer do muro onde se encontram. Nesse pleito, o discurso será acompanhado e avaliado de maneira mais acurada por grupamentos do centro. Será difícil vender gato como lebre. As plataformas e programas passarão pela balança da factibilidade.
Por último, convém registrar a hipótese: se as classes médias “comprarem” a ideia de um candidato, as marolas que produzirão no lago farão mudar a cabeça de eleitores das margens.
*Jornalista, professor titular da USP é consultor político e de comunicação.