O mundo padece de síndrome da fadiga democrática. A pertinente observação é do escritor, jornalista e poeta belga David Van Reybrouck, para quem as Nações atravessam um momento de saturação em seus sistemas democráticos. Quais seriam os sintomas da síndrome? Vejamos alguns: apatia do eleitor, abstenção às urnas, instabilidade eleitoral, hemorragia dos partidos, impotência das administrações, penúria no recrutamento, desejo compulsivo de aparecer, febre eleitoral crônica, estresse midiático extenuante, desconfiança, indiferença e outras mazelas.

Arremata o belga: “a democracia tem um problema sério de legitimidade quando os eleitores não dão mais importância à coisa fundamental, o voto”. A análise está expressa no interessante livro Contra as Eleições, que acaba de ser traduzido aqui no Brasil. O nome do livro sinaliza para a hipótese levantada pelo autor de que, nesses tempos de populismos baseados no medo e na desconfiança generalizada das elites, é o caso de se abolir o processo eleitoral e voltar ao que ocorria há 3.000 anos de história da democracia, quando inexistiam eleições e os cargos se repartiam por meio de uma combinação de sorteios e ações voluntárias. Ou seja, quando a política era missão, não profissão como hoje.

O fato é que a democracia, como já escreveu de maneira densa e farta Norberto Bobbio, o grande cientista social e filósofo italiano, não tem cumprido as tarefas inerentes ao seu escopo, entre as quais, o acesso de justiça para todos, a educação para a cidadania, o combate ao poder invisível, a transparência nas ações de seus protagonistas.

Em seu Futuro da Democracia, Bobbio mostra os caminhos a percorrer pela democracia na direção do amanhã, sem deixar de caracterizar o insucesso do Estado no combate às pragas da modernidade, a partir do poder invisível que se incrusta nas malhas intestinas da administração pública. O poder visível, formal, está perdendo a batalha. Não é a toa que, a par dos aparatos tecnológicos que ancoram os mecanismos do Estado – Tribunais de Contas, Ministério Público, Polícia Federal, Tribunais Eleitorais e outras instâncias do Judiciário – a corrupção continua grassando a torto e a direito.

Para termos uma ideia mais abrangente da crise que permeia o sistema democrático, nos quadrantes do planeta, podemos inserir no debate outros eixos, como os alinhavados por Roger-Gérard Scwartzenberg: o arrefecimento das ideologias, o declínio dos partidos, a desmotivação das bases, a perda de poder dos Parlamentos, o refluxo das oposições. Há, como se pode observar, aqui e alhures, certo esgotamento – sensação de ineficiência – das democracias. Que não dão respostas satisfatórias às demandas da sociedade. Esse fato tem explicação ainda no aparelhamento burocrático do Estado. Uma tecnocracia se instala nas estruturas administrativas, tornando complexa a execução de tarefas e programas, atrasando as operações, estrangulando os fluxogramas. Deriva daí a inoperância do Estado.

A crítica coloca em evidência o fato de que as eleições estão perpetuando a continuidade das elites no comando dos poderes do Estado. A eleição de um governante pelo voto popular não seria suficiente para dar a ele legitimidade, eis que será engolido, mais cedo ou mais tarde, pela ineficiência do Estado em atender às demandas das massas. Mas que outra solução haveria? Sortear os cargos entre o povo? Quem garante que essa modalidade de democracia não implicaria a implantação do caos?

Este ano teremos um pleito muito competitivo e de discurso contundente. Como fazer para darmos um passo mais avançado em nossa democracia de forma a garantir o compromisso da política junto ao povo? Deixo que o eleitor reflita sobre essa inquietante pergunta. 

 

 *Jornalista, é professor titular da USP, consultor político e de comunicação