Com o orçamento reduzido em função da crise financeira, aumentou no Brasil o percentual de domicílios cedidos, ou seja, aqueles ocupados mediante empréstimo – condição popularmente conhecida como “morar de favor”. É o que revela uma pesquisa divulgada nesta quinta-feira (26) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

De acordo com o levantamento, entre 2016 e 2017 aumentou em 0,8% o total de domicílios no país. Isso significa que foram construídos 549 mil imóveis no período, chegando ao total de 69,8 milhões.

Já o número de imóveis cedidos cresceu 7% no ano passado, passando de 5,6 milhões para 6 milhões, exatos 396 mil a mais. Na prática, 70% das novas residências do país passaram a ser classificadas nessa categoria.

Entre as outras categorias de moradia, 147 mil residências a mais foram classificadas como casas própria e quitada (alta de 0,3%) no ano passado, enquanto outras 188 mil novas unidades foram alugadas (1,5% a mais). Houve uma redução de 184 mil unidades financiadas, cerca de 4,5% de queda em um ano.

Ao analisar a condição de ocupação dos domicílios brasileiros em 2017, o IBGE constatou que:

 

  • 67,8% eram próprios e já quitados
  • 17,6% eram alugados
  • 8,7% eram cedidos
  • 5,6% eram próprios, mas ainda estavam sendo pagos
  • 0,2% eram invadidos

 

 

Veja a distribuição de domicílios por critérios de venda, aluguel e cessão no país em 2017 (Foto: Juliane Monteiro e Alexandre Mauro/G1)

Veja a distribuição de domicílios por critérios de venda, aluguel e cessão no país em 2017 (Foto: Juliane Monteiro e Alexandre Mauro/G1)

 

Imóveis cedidos cresceram na crise

 

Os imóveis cedidos são aqueles emprestados por terceiros, no qual nenhum dos moradores paga pela moradia. “O morador pode pagar apenas os gastos correntes, como condomínio e serviços como fornecimento de água e luz”, destacou a gerente da pesquisa, Maria Lúcia Vieira.

Na pesquisa não entram os casos de pessoas que moram na casa com o proprietário. Está sendo analisada a condição de ocupação, e não de cada morador dentro dele.

Maria Lúcia enfatizou que “é difícil entender esse movimento de aumento dos imóveis cedidos”. Isso porque, conforme salientou, a pesquisa não investigou as razões pelas quais o imóvel estava ocupado sob aquela condição.

“Pode ser que tenha a ver com a crise [econômica], mas como a gente não pergunta por que a pessoa mora ali, ou mesmo há quanto tempo ela mora, fica difícil saber”, ressaltou a pesquisadora do IBGE.

Ela explicou, no entanto, que o imóvel pode ter sido cedido por parentes, amigos ou até mesmo por empresas. “A Região Centro-Oeste, por exemplo, é a que concentra o maior percentual de imóveis cedidos. Sabemos que isso tem relação com o Distrito Federal, por causa do número de imóveis funcionais [que são destinados aos políticos]”, destacou.

Deste total, 193 mil são localizados no estado de São Paulo. A gerente da pesquisa ressalvou, no entanto, que se trata do estado mais populoso e com o maior número de domicílios do país.

 

Edícula na casa da amiga

 

 

Aldeice Bezerra morou por quase um ano sem pagar aluguel até conseguir voltar a ter uma situação financeira melhor (Foto: Arquivo pessoal)

Aldeice Bezerra morou por quase um ano sem pagar aluguel até conseguir voltar a ter uma situação financeira melhor (Foto: Arquivo pessoal)

Aldeice Bezerra, de 42 anos, deixou o aluguel para morar em uma edícula nos fundos da casa de uma amiga na Zona Norte de São Paulo no ano passado.

Ela trabalhava como pintora de manequins em uma fábrica na Zona Leste, mas perdeu o emprego em 2016. Ela ficou sem condições financeiras para dividir o aluguel da ampla casa onde morava com outra amiga. Ambas desempregadas, entregaram o imóvel devendo vários meses de aluguel. Entraram em acordo com a imobiliária e dividiram o valor devido em 12 vezes. “Demos sorte ainda porque o dono do imóvel foi compreensivo com nossa situação”, diz.

Foi nessa hora que veio a ajuda dos amigos. Ela se mudou para a edícula e combinou com a dona que ficaria sem pagar aluguel até que sua situação financeira voltasse ao normal.

Após cerca de dois meses desempregada, conseguiu um emprego numa padaria com carteira assinada. Mas o salário que ganhava só dava para pagar dívidas acumuladas. Sua situação só melhorou no segundo semestre do ano passado, quando foi contratada como vendedora. Ela então passou a pagar um valor simbólico para a dona do imóvel e divide com ela as contas de água, luz, TV a cabo e internet.

Aldeice considera que sua situação melhorou bastante, mas ainda sonha em ter seu cantinho.

 

“Serei sempre grata por ter sido acolhida num momento tão difícil, mas sei que logo vou voltar a ter minha própria casa”, diz.

 

 

Norte e Nordeste têm mais imóveis próprios já pagos

 

A pesquisa do IBGE revelou, também, que as regiões Norte e Nordeste do país concentram o maior percentual de imóveis próprios já pagos do país – respectivamente 74,5% e 74,1% do total de domicílios de cada uma.

O menor percentual de domicílios próprios já pagos é observado no Centro-Oeste (59%). No Sudeste, este percentual chega a 64,4% e no Sul a 68,3%.

“Apesar das regiões Norte e Nordeste concentrarem os menores rendimentos, nelas os preços dos imóveis são mais baratos”, apontou a gerente da pesquisa, Maria Lúcia Vieira.

Segundo ela, a redução do percentual de imóveis próprios ainda sendo pagos pode ter ocorrido “ou porque o financiamento foi quitado, ou porque a pessoa precisou entregar o financiamento”.