O orçamento para 2018 das capitais brasileiras é o primeiro elaborado pelas gestões eleitas em 2016. E, nessa estreia, a maioria delas, 19, está prevendo investir menos que havia sido orçado para o ano anterior.
Apesar disso, 13 pediram e conseguiram autorização para terminar 2018 com déficit primário – ou seja as receitas, como impostos e transferências de estados e da União, não serão suficientes para bancar as despesas, como pagamento de pessoal e investimentos, sem contar as operações financeiras, como pagamento de juros e amortização de empréstimos. A diferença precisa ser coberta por novos empréstimos, caixa ou venda de ativos.
É o que mostra um levantamento feito pelo G1 nas contas públicas das 26 capitais. Foram analisadas as leis orçamentárias que foram propostas pelos prefeitos, aprovadas pelas Câmaras municipais e sancionadas, e as prestações de contas já publicadas.
O cenário é melhor que o de 2017, quando 16 capitais previam queda nos investimentos e déficit primário.
As previsões econômicas para 2018, entretanto, também são melhores, o que se reflete na arrecadação das prefeituras. Segundo o último boletim Focus, por meio do qual o Banco Central monitora as perspectivas do mercado financeiro, o PIB deve crescer 2,89% neste ano, quase três vezes mais que o 1% do ano passado (a previsão no início do ano, quando as leis orçamentárias costumam ser sancionadas, era de alta de 0,5%).
Veja a situação da sua capital
Aracaju, Belém, Belo Horizonte, Boa Vista, Campo Grande, Cuiabá, Curitiba, Florianópolis, Fortaleza, Goiânia, João Pessoa, Macapá, Maceió, Manaus, Natal, Palmas, Porto Alegre, Porto Velho, Recife, Rio Branco, Rio de Janeiro, Salvador, São Luís, São Paulo, Teresina e Vitória.
Os investimentos são os gastos com obras e compras de equipamentos destinados a ampliar a capacidade das prefeituras de atenderem à população, como a construção de terminais de ônibus e a aquisição de aparelhos para a realização exames médicos.
Quando uma prefeitura prevê reduções nesse tipo de despesas, são essas as atividades que podem ser afetadas.
“A queda do investimento basicamente afeta o andamento dos serviços públicos e a ampliação dos serviços. Uma nova unidade básica de saúde, equipamentos a comprar, obras em praças públicas, pavimentação, tudo isso aí fica prejudicado”, diz Fábio Klein, economista da Tendências Consultoria que auxiliou na elaboração da reportagem.
Uma das cidades com maior redução nos investimentos previstos para 2018 é Porto Alegre. O orçamento da capital gaúcha prevê uma despesa 28% menor na comparação com o previsto para 2017. Ainda assim, a prefeitura prevê um déficit de R$ 45,5 milhões para este ano, ainda maior que os R$ 23 milhões de 2017.
Entre os projetos afetados estão uma parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) que beneficiaria as escolas municipais, e a revitalização do bairro 4º distrito, diz a gestão do prefeito Nelson Marchezan (PSDB).
“A falta de recursos é evidente, diante de um problema estrutural que vem se consolidando ao longo do tempo (…) dado pelo crescimento da despesa com pessoal e o déficit previdenciário”, diz a prefeitura, em nota.
Outras prefeituras, como a de Goiânia – que tem a maior queda na previsão de investimento (40%) entre as 13 capitais que projetam déficit – afirmam que o orçamento de investimentos menor não vai afetar o cronograma de projetos em 2018. Mas fazem uma ressalva: se o dinheiro previsto não chegar, algumas propostas podem ficar prejudicadas.
Entre elas, estão um investimento de R$ 100 milhões em pavimentação de ruas e de R$ 30 milhões implementação de infraestrutura e melhorias do Corredor Goiás (um corredor de ônibus), segundo a gestão do prefeito Íriz Rezende (PSD).
A possibilidade é concreta. Em 2017, a prefeitura previu R$ 845 milhões em investimentos, mas só gastou R$ 66 milhões, pois empréstimos e transferências que estavam previstos não se concretizaram.
Em São Paulo, gestão do prefeito João Doria (PSDB) diz que a redução de 3,8% na previsão de despesas de investimento não afeta o cronograma de projetos, mas condiciona a programação à concretização de empréstimos e de privatizações. O orçamento de 2018 prevê um déficit primário de R$ 1,6 bilhão, ante superávit de R$ 4,8 bilhões em 2017.
“Não acho que [a redução na previsão de investimentos] vá alterar [o cronograma de projetos], porque quando fizemos o plano plurianual já levamos esse contexto em consideração, então os planos estão mantidos. Mas dependemos das receitas de crédito e privatização deste ano”, afirma o secretário de Finanças de São Paulo, Caio Megale.
Queda em transferências
Um dos principais argumentos usados pelas prefeituras para a queda nos investimento é a redução nos repasses dos governos estaduais e, especialmente, da União.
É o caso da prefeitura de Macapá, que previu um orçamento de investimento 53% menor em 2018 em relação ao previsto para 2017. É a maior queda entre todas as capitais. A cidade, entretanto, prevê superávit primário neste ano, de R$ 41 milhões, abaixo do resultado positivo de R$ 54 milhões no ano passado.
Segundo a gestão do prefeito Clélio Luis (Rede), enquanto a previsão de investimento com receitas próprias caiu 16%, de R$ 18 milhões em 2017 para R$ 15 milhões em 2018, a fatia vinda de outras fontes (em sua maioria, repasses do governo federal), recuou 57%, de R$ 79,8 milhões para R$ 34 milhões.
A decisão de reduzir a previsão de investimentos com dinheiro de repasses foi tomada, segundo a gestão, porque os recursos previstos para o ano passado não chegaram. “Mas nada nos impede de abrir créditos adicionais por excesso de arrecadação para fazê-los constar quando da sua necessidade de execução, quando forem transferidos ou mesmo empenhados pela União.”
Para Paulo Zilkowski, presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), as cidades não devem esperar boas notícias de Brasília em 2018. Um estudo da entidade divulgado no início deste mês [março] aponta que a União deixou de repassar R$ 37 bilhões às prefeituras em recursos prometidos mas que não foram entregues. Com isso, eles entram nas contas de restos a pagar das prefeituras para 2018.
“A União vai gastar um pouco em investimento neste ano, mas serão os restos a pagar que estão sendo executados. Não vão investir nada”, afirma, culpando o teto de gastos estabelecido pelo governo Temer pela diminuição nos repasses.
Nem mesmo o fato de 2018 ser um ano eleitoral – o que costuma elevar os gastos com investimentos – deve garantir aumento nos repasses federais, avalia Zilkowski.
“[O repasse da União] vai ser menor, embora seja um ano eleitoral. Vai ter muita miragem. Vai ter muito prefeito que vai em Brasília atrás de [dinheiro de] emenda [parlamentar] que nunca vai ser paga.”
Procurado, o ministério do Planejamento disse que não faz a gestão dos repasses, e sim a regulamentação por meio de normas. “Esclarecemos que, nos anos citados [2017 e 2018], não houve a expedição de nenhuma norma limitadora”.
O ministério da Fazenda e a Presidência da República não quiseram comentar.
Déficit ainda assim
Cortar os investimentos é uma das maneiras que as prefeituras têm para garantir a saúde das contas públicas, pois esse é um tipo de gasto não-obrigatório (discricionário, no jargão econômico), diferentemente de pagamentos de salários.
Além disso, as projeções de melhora na economia deveriam ajudar as cidades a melhorar sua situação fiscal. Mas, em vários casos, não é o que acontece. Das 13 capitais que preveem a combinação de queda nos investimentos com realização de déficits primários em 2018, 10 tiveram superávit em 2017 ou, pelo menos, um déficit menor.
“Do ponto de vista de conjuntura econômica, tudo leva a crer que 2018 vai ser melhor que 2017. Você esperaria uma melhora no resultado fiscal [das prefeituras]. Mas os dados mostram uma piora geral, seja acompanhado de um aumento do investimento, seja aquele que está piorando resultado primário e diminuindo o investimento. Esse último caso mostra que tem situação muito ruim”, afirma Klein, da Tendências.
Um dos municípios nessa situação é Curitiba. Depois de registrar um superávit primário de R$ 110 milhões em 2017, a prefeitura prevê um déficit primário de R$ 308 milhões neste ano, um valor ainda maior que os R$ 290 milhões que o previsto inicialmente.
Ainda assim, a previsão de investimento é 35% menor, a terceira maior queda entre todas as capitais.
Segundo a gestão do prefeito Rafael Greca (PMN), o déficit previsto para 2018 é um número “realista, decorrente de um orçamento transparente em relação à situação fiscal do município, que atravessa cenário de ajustes e enfrenta, além das dificuldades naturais de reorganização da gestão fiscal, queda de receitas advindas de impostos e de repasses”.
Sobre a redução dos investimentos, a prefeitura alega que houve queda de 60% na previsão de transferências, e que os investimentos com recursos próprios devem subir 6%.
Das 26 capitais, nenhuma vai conseguir o que Klein, da Tendências, considera a melhor combinação possível: aumento de investimentos e superávit primário. Cinco vão fazer superávits, mas registram redução nos investimentos previstos. Oito terão déficit, mas estimam aumento nos investimentos.
Para Zilkowski, da CNM, o cenário de queda em investimentos combinado com déficits primários não surpreende, pois as cidades estão estranguladas até mesmo para arcar os gastos correntes. Essa despesa deve crescer mais que a inflação prevista para 2018 (3,6%), em 19 das 26.
“Ninguém avalia corretamente o que é o dia a dia de uma prefeitura. Embora a inflação esteja controlada, aquilo que a prefeitura gasta de salário, encargos previdenciários, não tem como sustentar”, afirma. “Hoje temos que dar graças a Deus das prefeituras que conseguem manter o serviço básico na rua. Investimento é um sonho”.
O economista Wagner de Oliveira, pesquisador da Diretoria de Análises de Políticas Públicas (Dapp) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), a combinação de corte no investimento e déficit primário é esperada para um contexto de crise econômica, que reduz a arrecadação das prefeituras.
Das 13 cidades nessa situação, só 4 estimam crescimento da receita acima da inflação.
“A queda da receita exige criatividade na gestão fiscal, então, na verdade, o resultado é reduzir onde dá pra reduzir (investimento é despesa discricionária) e fazer déficit (jogar o problema pra frente)”, afirma. “Contextualmente a momentos de crise, é [algo comum] comum, mas em termos fiscais, acho que estamos num momento especialmente complicado.”
*Colaboraram G1 Acre, G1 Alagoas, G1 Amapá, G1 Amazonas, G1 Bahia, G1 Ceará, G1 Espírito Santo, G1 Goiás, G1 Maranhão, G1 Mato Grosso, G1 Mato Grosso do Sul, G1 Minas Gerais, G1 Pará, G1 Paraíba, G1 Paraná, G1 Piauí, G1 Rio de Janeiro, G1 Rio Grande do Norte, G1 Rio Grande do Sul, G1 Rondônia, G1 Roraima, G1 Santa Catarina, G1 São Paulo, G1 Sergipe e G1 Tocantins.