Esse artigo tem por objetivo mostrar como é possível conciliar a formação da poupança pública com o equilíbrio das contas públicas, atribuindo um caráter anticíclico à política fiscal. Também discutirá a importância da poupança pública, que corresponde à receita corrente descontada da despesa corrente, para financiar o investimento público e estimular o crescimento.

Os objetivos da política fiscal devem ser a suavização das flutuações no nível de atividade e dos preços; o estímulo ao desenvolvimento através do financiamento de políticas públicas e a aceleração do processo de distribuição de renda, que ocorre lentamente se orientado apenas pelos mecanismos de mercado. Para alcançar esses objetivos, é necessário que a política fiscal atue de forma anticíclica, isso é, que os gastos sejam majorados em períodos recessivos e reduzidos em períodos expansionistas (isso decorre em parte dos próprios estabilizadores automáticos), a poupança pública seja positiva e a dívida pública seja estabilizada (no atual cenário brasileiro, necessita inclusive ser reduzida nos próximos anos).

Conciliar estes objetivos e metas não é tarefa fácil. Em geral, os modelos de determinação da evolução da dívida pública incluem o comportamento do resultado primário em sua formulação, pois a capacidade de pagar juros é um importante indicador da evolução da dívida pública. Na alternativa discutida nesse artigo, o objetivo é a conciliação entre a capacidade de realizar investimentos anticíclicos e a responsabilidade fiscal, representada aqui pelo controle da evolução da dívida pública. É uma mudança no atual paradigma da política fiscal que pode ser operada se for estabelecida uma nova relação entre déficit primário e poupança pública, onde  a variação na relação dívida pública/PIB dependerá do comportamento dos gastos com investimento, da receita corrente, dos gastos correntes (excluída a despesa com juros), da taxa real de juros, da taxa de crescimento do PIB e da própria magnitude da relação dívida pública/PIB no início do período analisado. Com esta formulação, torna-se possível, por exemplo, fixar uma meta para o investimento público e definir o comportamento necessário para as demais variáveis de modo a possibilitar a estabilização ou a redução da relação dívida pública/PIB.

A retomada do investimento público, com ajuste das receitas e despesas correntes, permitirá a volta ao crescimento e o início da  trajetória de redução da dívida pública a partir de 2020. Para alcançar esses objetivos, a receita corrente deve se elevar gradativamente em dois pontos percentuais do PIB até 2019. Essa é uma hipótese realista, pois a receita correspondia a 19% do PIB em boa parte do período entre 2007 e 2012. Para tal, é necessário retomar o crescimento econômico (sendo o incremento do investimento público fundamental nesse processo); por consequência o mercado de trabalho retomaria o processo de formalização, fato que elevaria a receita previdenciária; os impostos sobre os mais ricos precisam ser majorados (no âmbito de uma reforma tributária que mude também a composição da carga entre consumo e renda), bem como a taxação sobre heranças, lucros e dividendos distribuídos, cujo destino principal deveria ser o financiamento da aposentadoria rural, e o próprio imposto de renda na fonte; e a alíquota da contribuição previdenciária dos inativos deveria ser elevada para compensar ao menos parcialmente o desequilíbrio passado entre contribuições e benefícios. A alíquota cobrada sobre a remuneração dos ativos que terão direito à aposentadoria integral também deveria ser majorada.

Do lado dos gastos correntes (excluídos os juros), são necessários dois pontos percentuais de redução (em relação ao PIB). Assim como para a receita, essa hipótese é razoável, pois essa relação prevaleceu no patamar entre 15 e 16% do PIB entre 2007 e 2012. Para isso, é necessário controlar mais as despesas com pessoal, realizar reduções adicionais (ainda que marginais) no custeio, diminuir os subsídios e reformar o sistema previdenciário, cuja economia mais imediata resultará da elevação da idade mínima de aposentadoria.

A taxa real de juros implícita sobre a dívida líquida total, que atingiu 10,4% em 2017, reflete o comportamento das taxas de juros praticadas pelo Banco Central, que sob o critério de cálculo ex-post permanecem muito elevadas. A taxa básica de juros, que corrige parcela relevante dessa dívida, poderia ser reduzida mais rapidamente, até porque a inflação encontra-se bem abaixo da meta, fato que contribuirá inclusive para a elevação da poupança pública.

Essa combinação de medidas possibilitará combinar a definição de uma meta razoável para o investimento público (o que por si só torna a política fiscal anticíclica), retomar o crescimento econômico e reduzir a relação entre dívida pública e PIB. A condição fundamental para essa combinação é o alcance e manutenção de uma taxa de poupança pública positiva. Por isso, as despesas correntes (incluindo os juros) deverão ser ajustadas à medida que a receita cair, podendo inclusive existir, neste caso, um teto como percentual do PIB para as mesmas.

O teto atual, como é sabido, não inclui nenhum instrumento que possibilite atingir tal combinação. No quadro atual, o governo apenas coloca um limite para os gastos (que certamente deve existir) e joga no colo da sociedade o embate pelos recursos públicos, sem cumprir seu papel, que é fazer escolhas, propor políticas, arbitrar e eleger prioridades. Tomara que a regra do teto de gastos, como desenhada hoje, seja revista no futuro próximo, com a definição de uma meta para o investimento e as demais variáveis se ajustando a essa meta e evitando o crescimento da dívida pública, conforme defendido neste artigo. É uma opção bem distinta daquela adotada hoje, mantendo a responsabilidade fiscal necessária.

 

 

*Professor da EAESP-FGV e coordenador do Forum de Economia da FGV e membro do Grupo Reindustrialização