Não há como um cidadão de bem ficar indiferente aos efeitos da corrupção endêmica que assola o Brasil. Também não há como deixar de destacar que parte essencial no conjunto de elementos causadores dessa terrível patologia encontra-se no elevado grau de intervenção do Estado na economia do país.
No entanto, há outros aspectos que são pouco notados ou discutidos no Brasil, e que geram um campo fértil para a desvalorização da atividade pública.
Chamo especificamente a atenção para a resolução nº 16, de 28 de março de 2007, do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), instituição vinculada ao Ministério da Fazenda, dispondo sobre procedimentos a serem adotados pelas entidades reguladas por aquele órgão relativamente a operações realizadas por cidadãos considerados Pessoas Expostas Politicamente (PEP).
De acordo com a referida resolução os bancos e outras entidades reguladas pelo COAF devem adotar medidas especiais e dar atenção diferenciada no caso de clientes classificados como PEP visando prevenir e identificar operações que se configurem como crimes de lavagem de dinheiro.
São definidos como PEP os indivíduos que desempenham ou tenham desempenhado, nos últimos cinco anos, cargos eletivos ou atuado na administração pública. A resolução em questão determina que além do ocupante do cargo seja enquadrado como PEP seus familiares e colaboradores.
É certo que uma das queixas mais expressivas da sociedade brasileira se refere à baixa condição moral e intelectual de um grande contingente de pessoas na administração pública do país. Todos almejam o expurgo dos maus políticos da vida pública e que pessoas de bem possam ocupar seus lugares.
Porém, a questão que se coloca é se o cidadão de boa índole terá disposição de servir o governo quando ele e sua família correm o risco de serem considerados de forma apriorística como suspeitos de corrupção ao serem classificados como PEP.
Certamente que não. O COAF ao dispor sobre PEP criou uma subclasse execrável de indivíduos. O modo como as pessoas são tratadas chega a ser constrangedor, uma vez que o simples fato de ser uma PEP as coloca como delinquentes em potencial. Até mesmo abrir uma conta bancária tornou-se exasperante para uma PEP.
O princípio básico de todo estado democrático, segundo o qual um indivíduo deve ser considerado inocente até prova em contrário evaporou-se nas brumas da desconfiança e do denuncismo. Para o COAF, se o indivíduo for PEP ele tem que provar que é inocente.
O efeito secundário das normas do COAF é fazer com que as pessoas de bem se afastem definitivamente da vida pública, abrindo espaço para que delinquentes se infiltrem cada vez mais em todos os segmentos do Estado.
Tornou-se um demérito ao cidadão honrado ocupar um cargo público no Brasil.
É evidente que a classe política fez por merecer esse tratamento. No entanto, o COAF criou uma situação onde a presunção de inocência é violada de forma generalizada, sem qualquer discernimento para tratar desigualmente os desiguais, como seria desejável. Vive-se, ao menos no meio financeiro, um regime de flagrante violência que pune o servidor público honesto e seus familiares.
*Doutor em Economia pela Universidade Harvard (EUA) e professor