Secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Eduardo Refinetti Guardia assume a partir desta terça-feira (9) o comando da pasta no lugar de Henrique Meirelles, exonerado do cargo depois de se filiar ao MDB, mirando uma possível candidatura nas eleições deste ano.

Guardia, paulistano de 52 anos, é o número dois da pasta desde junho de 2016. Entrou no ministério cerca de um mês depois de Meirelles ter assumido, quando Temer ainda era presidente interino. Guardia veio da bolsa de São Paulo, a BM&FBovespa, onde foi diretor financeiro e de produtos entre 2010 e 2016.

Antes da carreira no mercado financeiro – que inclui a GP Investimentos e a Pragma Gestão de Patrimônio -, ele também passou pelo setor público. Foi secretário de finanças do Estado de São Paulo entre 2003 e 2006, na gestão Geraldo Alckmin (PSDB), secretário-adjunto do Tesouro Nacional de 1999 a 2002 e assessor especial da Fazenda em 1998, quando a pasta era capitaneada por Pedro Malan, ministro do então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

A nomeação de Guardia é vista como uma sinalização de continuidade na gestão de Meirelles – ainda que, a 9 meses do fim do mandato de Temer, analistas considerem difícil que ele consiga ir muito além do dia a dia da execução orçamentária e avançar em pautas, como, por exemplo, a privatização da Eletrobras.

Isso porque a capacidade do governo de passar medidas no Congresso estaria cada vez mais comprometida, seja por causa da proximidade do calendário eleitoral, que reduz a disposição dos parlamentares para votar temas delicados (como a reforma da Previdência, por exemplo), seja pelos efeitos de uma eventual candidatura do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM) – rival de uma possível chapa Temer-Meirelles -, sobre a pauta da Casa.

 

9 meses

 

Guardia esteve em situação parecida em 2002, nos últimos momentos do governo FHC, quando era secretário-adjunto do Tesouro Nacional e assumiu a direção do órgão a 9 meses do fim do mandato.

Para o professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP) José Francisco de Lima Gonçalves, a experiência do economista no Tesouro vai facilitar o trabalho à frente da Fazenda, assim como esses quase dois anos como secretário-executivo, uma posição essencialmente de mediação.

“Enquanto o titular da pasta é o ‘ministro para fora’, o secretário-executivo é uma espécie de ‘ministro para dentro’, o filtro entre as demandas políticas e a área técnica da Fazenda e das carreiras da Receita e do Tesouro”, ilustra.

Mais do que capacidade de dialogar com a ala política do governo e de articular novas propostas, são essas as habilidades de que Guardia precisará nesses próximos 9 meses. Períodos de fim de governo, diz o economista, são tradicionalmente focados nas áreas mais técnicas, já que não há mais muito espaço para costura política.

 

Formação

 

Gonçalves deu aulas para Guardia na graduação, em 1981, na PUC-SP. Foram dois semestres, em que ele ensinou à turma o primeiro volume de O Capital, de Karl Marx. O professor lembra dele como um aluno “muito sério, até careta”, que foi “razoavelmente bem” na disciplina.

Marcado pela passagem por gestões tucanas, o paulistano obteve o título de mestre pela Unicamp – conhecida por formar economistas mais alinhados à teoria econômica desenvolvimentista, que orientou, por exemplo, a política econômica dos governos petistas -, em 1992.

Orientado pelo professor Fabrício Augusto de Oliveira, ele escreveu sobre a estrutura do Orçamento público inaugurado pela Constituição de 1988 e seus primeiros anos de execução.

O doutorado foi pela FEA-USP, em 1999, sob a orientação de João Sayad, que foi secretário da Fazenda de São Paulo na gestão de Franco Montoro (PSDB) e secretário municipal de Finanças da cidade de São Paulo na administração de Marta Suplicy (PT). O tema também foi o regime fiscal brasileiro.

 

 

Mais gestão do que iniciativa

 

Para o economista-chefe do banco suíço UBS, Tony Volpon, que foi diretor de assuntos internacionais do Banco Central entre 2015 e 2017, o papel de Guardia será mais o de “tocar o dia a dia” da execução orçamentária.

“Esse é um período muito mais de gestão do que de iniciativa”, diz.

Além da época de fim do mandato, em que tradicionalmente o Legislativo tem menor disposição para discutir temas polêmicos ou que gerem ônus político às candidaturas a reeleição, o cenário atual tem particularidades que dificultam ainda mais a aprovação de medidas no Congresso.

Há a intervenção federal no Rio de Janeiro, que suspende a promulgação de emendas constitucionais, e a possível candidatura de Rodrigo Maia (DEM), presidente da Câmara.

“Veja as MPs (Medidas Provisórias) que já caducaram (porque passaram do período de 120 dias para que fossem validadas pelo Congresso), a reforma da Previdência”, ele destaca.

Para Volpon, a alternativa para Guardia seria tentar negociar com os deputados e senadores a votação de pautas mais técnicas.

Entre elas estariam, por exemplo, medidas microeconômicas já anunciadas, como a reforma da lei de falência e recuperação judicial ou a regulamentação do distrato – a devolução do imóvel pelo comprador.

Temas como a privatização da Eletrobras, que provavelmente deve continuar na agenda do ministério, têm pouca chance de avançar, avalia o economista-chefe do UBS.

 

‘Situação confortável’

 

Apesar do rombo nas contas do governo, visto por economistas como um dos principais riscos à retomada do crescimento, ele acrescenta, o novo ministro não deve ter muita dificuldade para cumprir a meta fiscal – mais um deficit primário -, o teto de gastos e a chamada regra de ouro – que determina que o governo só pode se endividar para fazer investimentos (como obras públicas e compra de equipamentos) ou para refinanciar a dívida pública.

 

As contas do governo fecham no vermelho há quatro anos, desde 2014. Em 2017 o resultado primário (a diferença entre o que se gasta e arrecada) foi negativo em R$ 124,4 bilhões e a previsão para 2018 é mais um déficit, de R$ 159 bilhões.

O prejuízo é grande, mas, diante da trajetória dos últimos anos de queda das receitas e aumento consistente das despesas, o governo vinha tendo dificuldade mesmo para cumprir as metas de deficit. O novo ministro se beneficia, contudo, de uma situação mais favorável em 2018, com recuperação da receita de impostos e a devolução de R$ 100 bilhões do BNDES ao Tesouro, que reduz o volume da dívida pública.

“A situação fiscal ficou mais confortável”, destaca Gonçalves, da FEA-USP.

 

Troca de cadeiras

 

Além de Guardia, a expectativa é que o secretário de acompanhamento econômico da Fazenda, Mansueto Almeida, também mude de cargo com a saída de Meirelles.

Ele assumiria o ministério do Planejamento e Dyogo Oliveira, até então titular da pasta, será presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), com posse confirmada para esta terça-feira.