A pergunta é recorrente: se Joaquim Barbosa (PSB), Marina Silva (Rede) ou mesmo Ciro Gomes (PDT) viessem a sentar na cadeira presidencial, teriam condições de governar? A dúvida leva em consideração a índole de cada um dos protagonistas em questão.
Joaquim é considerado um perfil destemperado, com a ética de juiz pairando sobre o balcão de negócios em que se tem transformado a política. Marina, com sua aparência de freira (imagem aqui posta de maneira positiva), transmite a impressão de que está mais afinada a lidar com as coisas divinas do que com as pressões do inferno da política. Ciro, com sua conhecida verve beligerante, tem demonstrado ser um ente seletivo, rejeitando ou se distanciando de parlamentares e partidos envolvidos na Operação Lava Jato.
Pois bem, essas projeções sobre suas personalidades levantam a hipótese de que teriam eles muitas dificuldades de romper o cordão político vigente no Congresso Nacional, produzido com os fios do fisiologismo. A real politik ali praticada retrata a representação política, que se ancora no “presidencialismo franciscano”, pelo qual o mandatário-mor do país só arruma condições para governar caso ceda nacos da estrutura administrativa aos partidos e seus caciques. É dando que se recebe.
Sem o troca-troca que amarra o elo entre Executivo e o Legislativo, governantes enfrentarão obstáculos, não sendo improvável que a faca de um impeachment apareça em determinado instante para interromper seu mandato. Fernando Collor, que não tinha articulação com o Congresso, e mesmo Dilma Rousseff, com sua conhecida ojeriza às pressões políticas, tiveram seus ciclos cortados.
Em outras palavras, não se governa o Brasil sem a participação dos agentes políticos, hipótese que sinaliza para a necessidade de o governante (e sua equipe) desenvolverem habilidades para formar maiorias congressuais. Sem maioria, qualquer governo tende a fracassar, simplesmente porque as políticas públicas embutidas em projetos de lei não passarão pelo crivo parlamentar.
O leque de questões deixa ver, portanto, a governabilidade condicionada à sustentação política do governo. Se o governante se rebelar contra esse posicionamento, o que poderá fazer? Submeter-se ao troco dos congressistas, gerando tensões entre os dois Poderes; renunciar ao cargo de presidente da República por indisposição de fazer política nos moldes de nossa cultura; procurar apoio popular para fazer pressão sobre o corpo parlamentar. Ou, com o apoio dos militares, dar um golpe, fechar o Congresso e ressuscitar a ditadura. Ora, essas são opções que parecem inexequíveis ou incompatíveis com o estágio civilizatório em que vive o país.
Alternativa que soa como bom senso é a de adaptação do governante à música tocada pela política. O que exigirá flexibilidade do governante para dançar samba, valsa ou frevo, a depender das circunstâncias. Sem humildade para entrar no jogo da real politik, Joaquim, Marina ou Ciro, caso cheguem ao comando do país, se transformarão em pavio de uma bomba a explodir em seu colo. Se quiserem fazer valer sua visão sobre política, deverão usar a força do governante para estabelecer acertos e ajustes. Por exemplo: em vez de indicar caciques para cargos centrais da estrutura, acertariam com os partidos a indicação de perfis técnicos na tentativa de implantação de uma meritocracia.
Com uma reforma política profunda, seria possível chegar-se a um número razoável de partidos – 7, 8 ou 9 – e, assim, teríamos os meios para uma administração compartilhada sob critérios racionais e justos. Os governos receberiam menor carga de pressão. Sob a égide de boas condições de governabilidade.
*Jornalista, é professor titular da USP, consultor político e de comunicação Twitter@gaudtorquato