A universidade é o local da unidade do diverso. Num breve histórico, devemos relembrar que a universidade sempre foi questionada em relação à sua pertinência e significância para a sociedade, seu início foi forjado entre dogmas e heresias, no qual a filosofia religiosa determinava qual conhecimento deveria ser conhecido. Só no século XI, surgiria um ensino sistematizado que incitava aos participantes conhecer, pesquisar e aplicar os conhecimentos por meio das “quaestiones disputatae”. Professores de Paris, alunos de Bolonha e de outras culturas se uniram e adotaram o termo universitas. Neste ambiente de ensino, pesquisa e extensão surgiu a universidade, local para as verdades necessárias, assegurando o estudo livre e espaço para os debates e diálogos.
Durante a Renascença, a universidade se tornou temerosa diante do conhecimento que ela ajudara a gerar; nomes como Leonardo da Vinci, Michelangelo Buonarroti, Dante Alighieri, Giordano Bruno foram estudiosos e pesquisadores que não participaram da universidade. Durante o século XVII, Sorbonne foi fechada, por sua incapacidade de acompanhar as mudanças e as novas dinâmicas do mundo moderno.
Não sendo diferente no início do século XX, pensadores como Albert Einstein, só se tornou acadêmico depois de ter realizado seus estudos ou o médico Freud e o economista Keynes que não foram profissionais da universidade. Neste mesmo período, a universidade assumiu o papel no desenvolvimento técnico, por meio de seus professores e alunos; departamentos, laboratórios e centros de pesquisa, dos setores públicos e privados, proporcionando uma carreira flexível, rápida e menos humanista. Para Cristovam Buarque, a universidade “continua presa aos velhos padrões e às velhas estruturas dos currículos profissionais” bem como as mesmas exigências: salários e verbas – exíguas. Tendo em sua existência a legitimação sem contestação, novamente a universidade não consegue ver o próprio horizonte e, portanto sua importância; encontra-se, hoje, numa crise – professores e alunos desmotivados.
As discussões sobre a pertinência da universidade não são novas no contexto mundial; não sendo diferente no contexto local. Na terra brasilis a discussão se pauta em sua preservação/conservação; se deve ser pública, gratuita e de qualidade.
Semanticamente, os conceitos destas palavras, oriundas do latim podem determinar interpretações; logo, lembremos que universidade surgiu da palavra universitas – o conjunto das coisas; pública de publicare – tornar público; gratuita de gratis – dado de maneira livre. Portanto, se os saberes estão no mundo a serem descobertos e revelados, os conhecimentos da universidade deveriam ser utilizados para melhorar a sociedade. Entretanto, a universidade mudou seu papel inicial, esqueceu dos encontros das “quaestiones disputatae”, seus sujeitos se distanciaram e se legitimaram por meio da comodificação do conhecimento. Alguns pensadores, críticos e defensores da universidade como, por exemplo, Humboldt que defendia os princípios de autonomia e de liberdade, garantidos pelo Estado, respeitando a lógica interna de todas as áreas; e Gerhard Casper, reitor de Stanford, ao reiterar Humboldt, afirmando que a indissociação entre o ensino, a pesquisa e a extensão é imprescindível; e, que a universidade tem sido enfraquecida na proporção em que ela é utilizada para fins políticos e ou dos setores privados.
A universidade “carreirista” perdeu seus fundamentos e princípios, ao não saber o seu passado, não pode saber o seu futuro. A universidade brasileira está perdida em suas escolhas e decisões, vivendo o impasse da conservação de sua imutabilidade ao invés de ser agente de mudanças. A imagem da máscara de Janus, que simboliza o passado e o futuro, e é considerado o deus das escolhas e das decisões; pode auxiliar num processo reflexivo ao desejar uma universidade que seja mais que uma empresa e melhor do que uma escrava da lógica da competição econômica.
Neste desvelar, uma história se faz presente, para ilustrar; o general romano Pompeu disse certa vez aos seus marinheiros temerosos: -Viver é preciso, navegar não é.
Fernando Pessoa tornou desta frase, uma poesia e completou “necessário é criar”, e da necessidade de se envolver no que se faz, pois “o propósito impessoal de engrandecer a pátria e contribuir para a evolução da humanidade”. Talvez seja preciso transformar o DNA da universidade brasileira, para que se tenha uma Universidade pública, de qualidade na qual se preserva sua história, tem uma identidade e trabalha pela cidadania planetária e contribui para a humanidade.
*Professora de Arte, Mestre em Educação Escolar pela Faculdade de Ciências e Letras da Unesp em Araraquara (FCLAr), ex-assessora pedagógica da FMVZ e FCA de Botucatu