A água consumida em Adamantina teria a presença de 27 agrotóxicos, dos quais 11 seriam associados a doenças crônicas como câncer, defeitos congêneres e distúrbios endócrinos. A informação foi extraída do site Por Trás do Alimento, em uma ampla reportagem sobre o tema, publicada no último dia 15 (veja aqui).
Segundo o site Por Trás do Alimento, os dados que permitem esse cenário são do Ministério da Saúde e foram obtidos e tratados em investigação conjunta da Repórter Brasil, Agência Pública e a organização suíça Public Eye, cujas informações são parte do Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (Sisagua), que reúne os resultados de testes feitos pelas empresas de abastecimento.
Na pesquisa por Adamantina, o site informa a presença de 27 agrotóxicos. Os 11 que seriam associados a doenças crônicas como câncer, defeitos congêneres e distúrbios endócrinos, são o Alaclor (9 detecções em 14 testes), Atrazina (8 detecções em 14 testes), Carbendazim (2 detecções em 2 testes), Clordano (2 detecções em 14 testes), DDT+DDD+DDE (12 detecções em 14 testes), Diuron (2 detecções em 2 testes), Glifosato (14 detecções em 14 testes), Lindano (12 detecções em 14 testes), Mancozebe (1 detecção em 1 teste), Permetrina (12 detecções em 14 testes) e Trifluralina (12 detecções em 14 testes).
Estudo aponta presença de agrotóxicos na água usada no consumo humano (Ilustração).
Os outros 16 agrotóxicos que estariam presentes na água de Adamantina são o 2,4D + 2,4,5T (8 detecções em 10 testes), Aldicarbe (4 detecções em 4 testes), Aldrin (12 detecções em 14 testes), Carbofurano (4 detecções em 4 testes), Clorpirifós (4 detecções em 4 testes), Endossulfan (12 detecções em 14 testes), Endrin (12 detecções em 14 testes), Metamidofós (1 detecção em 1 teste), Metolacloro (8 detecções em 14 testes), Molinato (8 detecções em 14 testes), Parationa Metílica (4 detecções em 4 testes), Pendimentalina (12 detecções em 14 testes), Pofenofós (4 detecções em 4 testes), Simazina (8 detecções em 14 testes), Tebuconazol (4 detecções em 4 testes) e Terbufós (4 detecções em 4 testes).
Adamantina: Sabesp afirma que a água não está contaminada
Atendendo solicitação do Siga Mais, a Sabesp, responsável pelo abastecimento de água em Adamantina, afirma que o município não possui nenhuma concentração acima do limite considerado seguro no Brasil. “A água fornecida pela Sabesp não está contaminada. A Companhia garante a segurança do abastecimento da população, por meio de testes diários realizados em laboratórios certificados pelos órgãos competentes. Sempre que necessário, para segurança da população, os testes são refeitos”, informa.
Segundo a Sabesp, a legislação brasileira, do Ministério da Saúde, estabelece parâmetros seguros de substâncias encontradas na água conforme definições da Organização Mundial de Saúde (OMS). Para controlar isso, são realizados 90 tipos de testes e mais de 90 mil análises mensais que aferem turbidez, cor, cloro, coliformes totais, metais, agrotóxicos, dentre outros.
Ainda de acordo com a Sabesp, os relatórios de qualidade da água são enviados mensalmente ao Ministério da Saúde e também são disponibilizados às Vigilâncias Sanitárias dos municípios. A empresa informa que além do envio dos relatórios a esses órgãos, os clientes podem conhecer esses resultados na conta de água ou pelo seu site (saiba mais). A água distribuída em Adamantina pela Sabesp é servida a partir de extração subterrânea em oito poços profundos. A produção diária de água é de 8.200.000 litros.
A nota da Sabesp faz também referência a uma entrevista da professora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Cassiana Montagner, à CBN, no dia 17 de abril. Ela realiza estudos sobre o tema no Instituto de Química da Universidade. Ela também é citada no amplo material publicado pelo site Por Trás dos Alimentos.
Na entrevista (ouça aqui), a pesquisadora explica que as concentrações na água são residuais e não necessariamente são associadas a um efeito na saúde humana, mas estudos estão sendo feitos em todo o mundo para avaliar os impactos.
Ela pondera que as concentrações de agrotóxico na água precisam ser olhadas com cautela para associar a riscos. “Quanto melhor nossa ferramenta de medição, menores concentrações serão detectadas e consequentemente aumenta os índices. O que a gente pode dizer, sim, existem resíduos que são reflexos do que tem nossos mananciais. Se não protegermos, os sistemas de tratamento têm dificuldade de remover os agrotóxicos em concentrações baixas. E consequentemente pode estar na nossa água”, diz. “É importante deixar claro que as concentrações na água são muito baixas, residuais, e não necessariamente são associadas a um problema na saúde humana. O que nos preocupa é a mistura dos agrotóxicos. Esses estudos estão sendo realizados em todo o mundo. Enquanto isso a população pode continuar tomando água porque está enquadrada em nossa portaria”, completa, referindo-se aos parâmetros vigentes na legislação brasileira.
Segundo a pesquisadora, a água mineral também não está livre, neste cenário. “Dependendo da fonte, está contaminado pelo uso excessivo, os aquíferos também são contaminados”, revela. Sobre comparação dos padrões nacionais com os europeus, a pesquisadora diz que o Brasil segue padrão da Organização Mundial da Saúde (OMS), e não trabalha com a situação de misturas, que talvez seria mais realista. Ela destaca que os padrões têm sido revisados, em constante modernização.
Para a Cassiana Montagner, é preciso trabalhar na preservação dos mananciais e ser rigorosos na qualidade. Ela explica que o sistema de tratamento, como é feito no Brasil todo, não é projetado para remover esses contaminantes nessas condições residuais, e adverte: “Existem tratamentos que devem ser aplicados de forma complementar ao que é feito aqui no Brasil. Mas, mais do que isso, é garantir que nosso manancial venha com qualidade maior para não deixar a responsabilidade inteira no tratamento de água”.
Coquetel de agrotóxicos encontrado na água de 1 em cada 4 cidades brasileiras
Uma abordagem mais detalhada sobre os estudos divulgados pelo site Por Trás do Alimento revela que o coquetel que mistura diferentes agrotóxicos foi encontrado na água de 1 em cada 4 cidades do Brasil entre 2014 e 2017. Nesse período, as empresas de abastecimento de 1.396 municípios detectaram todos os 27 pesticidas que são obrigados por lei a testar. Desses, 16 são classificados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) como extremamente ou altamente tóxicos e 11 estão associados ao desenvolvimento de doenças crônicas como câncer, malformação fetal, disfunções hormonais e reprodutivas.
Os estudos revelam um dado preocupante, com a crescente dos indicadores de contaminação das águas. Os dados cruzados mostram que em 2014, dos testes realizados, 75% deles detectaram agrotóxicos. Depois, subiu para 84% em 2015 e foi para 88% em 2016, chegando a 92% em 2017. “Nesse ritmo, em alguns anos, pode ficar difícil encontrar água sem agrotóxico nas torneiras do país”, alertam.
Os dados referentes aos testes, divulgados pelo Por Trás do Alimento, são informação pública. Embora nessa condição, a divulgação não se dá de forma compreensível para a população. Assim, o esforço conjunto, da Repórter Brasil, a Agência Pública e a organização suíça Public Eye tornou disponível um mapa interativo com os agrotóxicos encontrados em cada cidade. O mapa revela ainda quais estão acima do limite de segurança de acordo com a lei do Brasil e pela regulação europeia, onde fica a Public Eye. Veja aqui ou acesse o mapa abaixo.
Alerta: situação é preocupante
Segundo o Por Trás do Alimento, o retrato nacional da contaminação da água gerou alarde entre profissionais da saúde. “A situação é extremamente preocupante e certamente configura riscos e impactos à saúde da população”, afirma a toxicologista e médica do trabalho Virginia Dapper. O tom foi o mesmo na reação da pesquisadora em saúde pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em Pernambuco, Aline Gurgel: “dados alarmantes, representam sério risco para a saúde humana”.
Entre os agrotóxicos encontrados em mais de 80% dos testes, há cinco classificados como “prováveis cancerígenos” pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos e seis apontados pela União Europeia como causadores de disfunções endócrinas, o que gera diversos problemas à saúde, como a puberdade precoce. Do total de 27 pesticidas na água dos brasileiros, 21 estão proibidos na União Europeia devido aos riscos que oferecem à saúde e ao meio ambiente.
A falta de monitoramento também é um problema grave. Dos 5.570 municípios brasileiros, 2.931 não realizaram testes na sua água entre 2014 e 2017.
Coquetel tóxico
A mistura entre os diversos produtos químicos foi um dos pontos que mais gerou preocupação entre os especialistas ouvidos pelo Por Trás do Alimento. O perigo é que a combinação de substâncias multiplique ou até mesmo gere novos efeitos. Essas reações já foram demonstradas em testes, afirma a química Cassiana Montagner, pesquisadora na Unicamp. “Mesmo que um agrotóxico não tenha efeito sobre a saúde humana, ele pode ter quando mistura com outra substância”, explica. Como também citado na nota da Sabesp, a pesquisadora reafirma que “a mistura é uma das nossas principais preocupações com os agrotóxicos na água”.
Os paulistas foram os que mais beberam esse coquetel nos últimos anos. O estado foi recordista em número de municípios onde todos os 27 agrotóxicos estavam na água. São mais de 500 cidades.
Por isso, ela lamenta, as pessoas que já estão desenvolvendo doenças em decorrência dessa múltipla contaminação provavelmente nunca saberão a origem da sua enfermidade. Nem os seus médicos.
Ministério da Saúde reitera riscos
Questionado sobre quais medidas estão sendo tomadas, o Ministério da Saúde enviou ao Por Trás do Alimento respostas por e-mail reforçando que “a exposição aos agrotóxicos é considerada grave problema de saúde pública” e listando efeitos nocivos que podem gerar “puberdade precoce, aleitamento alterado, diminuição da fertilidade feminina e na qualidade do sêmen; além de alergias, distúrbios gastrintestinais, respiratórios, endócrinos, neurológicos e neoplasias” (Leia a íntegra das respostas do Ministério da Saúde).
A resposta, porém, ressalta que ações de controle e prevenção só podem ser tomadas quando o resultado do teste ultrapassa o máximo permitido em lei. E aí está o problema: o Brasil não tem um limite fixado para regular a mistura de substâncias.
“O esforço deve ser na prevenção porque o sistema de tratamento convencional não é capaz de remover os agrotóxicos da água”, diz Rubia Kuno, da Cetesb.
Essa é uma das reivindicações dos grupos que pedem uma regulação mais rígida para os agrotóxicos. “É um absurdo esse problema ficar invisível no monitoramento da água e não haver ações para controlá-lo”, afirma Leonardo Melgarejo, engenheiro de produção e membro da Campanha Nacional Contra os Agrotóxicos e Pela Vida “Se detectar diversos agrotóxicos, mas cada um abaixo do seu limite individual, a água será considerada potável no Brasil. Mas a mesma água seria proibida na França”.
Ele se refere à regra da União Europeia que busca restringir a mistura de substâncias: o máximo permitido é de 0,5 microgramas em cada litro de água – somando todos os agrotóxicos encontrados. No Brasil, há apenas limites individuais. Assim, somando todos os limites permitidos para cada um dos agrotóxicos monitorados, a mistura de substâncias na nossa água pode chegar a 1.353 microgramas por litro sem soar nenhum alarme. O valor equivale a 2.706 vezes o limite europeu.