Faltando pouco mais de um mês para o Dia Nacional da Adoção, que cai anualmente em 25 de maio, ainda há poucos motivos a comemorar. Há mais crianças e adolescentes vivendo em abrigos, sem famílias, o número daqueles realmente disponíveis para adoção caiu, e a lista de pretendentes a pais aumentou expressivamente, enquanto na prática nada – ou quase nada – foi feito para integrar os cadastros municipais e estaduais ao nacional, o que dificulta a inserção em novos lares.
O número de crianças e adolescentes inscritos no Cadastro Nacional de Adoção aumentou quase 16% entre outubro de 2017 e abril de 2019, passando de 8.181 para 9.434, e a quantidade dos realmente disponíveis, aqueles que não têm mais vínculo com as famílias biológicas, caiu de 59% para 52% no mesmo período (eram 4.836 em 2017 e agora são 4.995). Isso em um universo de 55 mil que moram em abrigos (quase 20% a mais do que em janeiro de 2018). Ou seja, cada vez mais menores estão em um limbo, praticamente invisíveis, aguardando a decisão da Justiça para voltar aos parentes biológicos ou a destituição definitiva do poder familiar para encaminhamento a famílias substitutas.
Do outro lado deste cenário estão os pretendentes a pais adotivos, cujos números só crescem. Se entre 2014 e 2017 houve um aumento de 10%, agora ele é ainda mais expressivo. Entre outubro de 2017 e abril de 2019, ou seja, apenas 1 ano e meio, o crescimento do número de pessoas habilitadas e inscritas no Cadastro Nacional foi de 16,3% – saltou de 39.447 para 45.877. Considerando que existem somente 4.995 crianças e adolescentes 100% disponíveis para adoção, a proporção é de 1 para cada 9,18 interessados.
Todos estes dados estão disponíveis no site do Conselho Nacional de Justiça (http://www.cnj.jus.br/cnanovo/pages/publico/index.jsf).
Mas então o que está errado se existem tantos interessados para cada criança? “As autoridades da Infância e Juventude insistem em um discurso recorrente que responsabiliza os pretendentes a pais pela lentidão dos processos, afirmando que eles supostamente só querem meninas recém-nascidas brancas enquanto deveriam focar na adoção tardia. Porém, os números do próprio Conselho Nacional de Justiça mostram o oposto”, afirma a jornalista Ana Davini, especialista no tema e autora do livro “Te amo até a Lua” (www.facebook.com/teamoatealua), que tem a adoção como foco central. “O que falta mesmo é a integração dos Cadastros municipais e estaduais de crianças e pretendentes com o nacional, para que haja cruzamentos eficazes e ambas as partes possam se encontrar. Além disso, a morosidade para a definição da situação jurídica de cada residente de um abrigo é inexplicável e extremamente preocupante – ela, sim, é a grande vilã por esta triste situação de abandono”; completa.
Os dados do Conselho Nacional de Justiça mostram que hoje em dia apenas 15% dos pretendentes aceitam exclusivamente crianças brancas, enquanto 83% também aceitam pardas, 56% negras e 50% de todas as etnias. Para se ter uma ideia, os 4.683 pardos atualmente cadastrados, que representam 46,6% do total, são desejados por 37.983 pessoas. Dá e sobra. Além disso, quase 65% dos candidatos são indiferentes ao gênero da criança e existem suficientes para adotar todas até 10 anos. Só a partir daí é que a proporção interessados/crianças se inverte.
Traduzindo isso em números absolutos, todos os menores de 11 anos poderiam ir para famílias adotivas se a destituição acontecesse mais rápido e se houvesse integração entre os sistemas de todas as Varas de Infância do Brasil. É claro que existem cruzamentos mais complexos, como saber quantas das crianças de cada faixa etária e de cada etnia têm problemas de saúde, por exemplo, mas o único gargalo real é a idade. Então por que segurar a criança no abrigo, sem definir sua situação jurídica, até ela passar da idade possível para adoção?
Em 22 de novembro de 2017 foi sancionada a lei 13.509, que alterou o Estatuto da Criança e do Adolescente no que se refere à adoção. O objetivo foi formalizar prazos que antes eram impossíveis de calcular, já que a lei 12.010, de 2009, conhecida como Lei Nacional de Adoção, era vaga em alguns tópicos, como, por exemplo, o tempo para habilitação dos pretendentes a pais adotivos. Depois disso, entre outras mudanças, o período máximo de acolhimento institucional passou a ser de 1 ano e meio, com reavaliações da situação dos abrigados a cada 3 meses. Além disso, recém-nascidos abandonados em maternidades que não forem reclamados por alguém de suas famílias biológicas em até 30 dias serão encaminhados automaticamente à adoção.
Resta saber se estas alterações já foram colocadas em prática. Naquele mesmo ano de 2017 o Conselho Nacional de Justiça também anunciou a implantação de um novo Cadastro Nacional que permitiria uma busca mais ampla e rápida de famílias para as crianças e adolescentes que vivem em abrigos, graças à unificação dos cadastros municipais e estaduais e a novas tecnologias. Mas tudo ainda depende da aprovação da Corregedoria da entidade e ninguém sabe quando isso acontecerá.
As únicas iniciativas que podem realmente ser comemoradas são as feitas por alguns Estados, como a campanha “Adote um Boa Noite”, de São Paulo (http://www.tjsp.jus.br/AdoteUmBoaNoite); “Deixe o amor te surpreender”, do Rio Grande do Sul (https://www.tjrs.jus.br/novo/noticia/deixa-o-amor-te-surpreender-judiciario-lanca-primeira-etapa-da-campanha-que-incentiva-a-flexibilizacao-do-perfil-de-jovens-para-adocao/); Esperando por Você, do Espírito Santo (http://www.tjes.jus.br/esperandoporvoce/); e Adote um Pequeno Torcedor, de Pernambuco (http://www.tjpe.jus.br/-/projeto-adote-um-pequeno-torcedor-estimula-adocao-tardia). Todas focam na adoção tardia.