Inspirada pelos últimos títulos mundiais do Brasil, uma nova geração de surfistas tenta dar um aéreo, aquele voo sobre a onda, passando do amadorismo à carreira profissional. A manobra esbarra na falta de patrocínio para os jovens atletas e nas dificuldades estruturais das categorias de base que caracterizam não só o surfe, mas todo o esporte amador no País.
Para participar das principais competições da temporada, ele precisa levantar entre R$ 20 mil e R$ 60 mil, de acordo com as competições que decidir participar. Os surfistas amadores não têm prêmios em dinheiro. “As minhas dificuldades são as mesmas dos outros: conseguir verba para competir”, disse o aluno do 1.º ano do Ensino Médio.
Quando a conta das inscrições, hospedagens e passagens aéreas não fecha, Caio recorre ao pai, Paulo Cesar, ex-atleta, instrutor de surfe e que também realiza serviços diversos de manutenção e jardinagem. Caio mora na cara do gol da praia. Ele vai a pé, descalço mesmo, e demora só quatro minutos para chegar ao seu “centro de treinamento”.
A casa é simples, com paredes com os blocos aparentes e um portão de madeira. No quarto, ele guarda suas 18 pranchas, não desgruda delas nem quando está em terra firme. Uma delas virou o porta-retrato com imagens que contam um pouco de sua história. Na entrada da casa, a palavra “surf” está escrita em letra vermelha com destaque. “Ainda não dá para viver só do surf, mas estamos batalhando”, revelou o pai.
Em geral, os surfistas começam a carreira em eventos não oficiais de bairro, promovidos por associações locais. O próximo passo são os circuitos municipais, realizados pela maioria das cidades litorâneas. Em São Paulo, cada cidade participa do circuito estadual, que contempla as categorias sub-10 até sub-18. Sob a supervisão da Federação Paulista de Surfe, os destaques do Estado vão para o Circuito Brasileiro Amador, organizado pela Confederação Brasileira de Surfe.
Os títulos mundiais que o Brasil conquistou – foram quatro desde 2014 com Gabriel Medina (duas vezes), Adriano de Souza, o Mineirinho, e Ítalo Ferreira – são o pano de fundo do início da carreira dos jovens surfistas.
A realidade dos torneios municipais está distante do glamour dos torneios da WSL, entidade organizadora do Circuito Mundial de Surfe. Em alguns torneios, o número de etapas é mínimo ao longo da temporada. Como são organizados pelas prefeituras, muitas competições podem ser utilizadas por políticos que querem surfar na mesma onda de popularidade dos esportistas.
Também existem problemas de organização, com avanços e retrocessos. Embora tenha patrocinado a ida de 12 atletas brasileiros ao ISA Games (International Surfing Association), evento internacional no final do ano passado, a Confederação Brasileira de Surfe simplesmente não distribuiu troféus para os vencedores do título brasileiro em nenhuma categoria. Nas prateleiras que forram as paredes da casa de Caio não existe o troféu mais importante de sua carreira até agora.
O atleta passa de amador ou profissional por escolha própria. O problema é arcar com os custos na carreira com filiação e inscrições para os torneios maiores. Competições nacionais têm custos da ordem de R$ 1 mil a R$ 5 mil.
Aos 16 anos, Isabela Saldanha planeja para 2020 a passagem para o profissional. Nona colocada no WQS 1000 Nelson Mandela Pro WSL, circuito de divisão de acesso para a elite mundial, ela pretende parar de competir em campeonatos amadores. Seus focos são o circuito Pro Jr. Sul-americano WSL e o circuito de divisão de acesso para a elite mundial (WQS). Todos os anos, ela viaja para treinar e competir no Havaí. Neste ano, está em Sunset Beach e vai competir a partir do próximo dia 18.
“Todo atleta tem seu tempo, alguns tornam-se profissionais mais cedo, outros mais tarde, alguns nunca se tornam! Tudo depende dele mesmo. Para poder viver da competição, tornar-se profissional é essencial, uma vez que premiações em dinheiro são apenas entregues em campeonatos profissionais”, explicou Isabela.
Quatro anos mais novo que Caio e Isabela, Guilherme Fernandes é outro destaque da nova geração, mas com menos tempo de estrada. Ele se tornou bicampeão municipal nas categorias sub-12 e sub-14 em Ubatuba e vice-campeão paulista sub-12. “Meus principais sonhos são entrar para a elite do surfe mundial e ser campeão do mundo”, disse o pré-adolescente.
Ele está seguindo o caminho tradicional, do bairro para o País, levando adiante o sonho do pai, Claudemir Fernandes, surfista amador e que se tornou um dos principais incentivadores da carreira do filho. “O plano B é estudar e fazer uma faculdade. Ele está levando o surfe e o estudo juntos. A gente nunca sabe o que vai acontecer, mas ele só pensa no surfe”, afirmou o pai, que se define como autônomo e que “faz um pouco de tudo”.