O pastor Landon Spradlin não estava preocupado com o coronavírus quando viajou a Nova Orleans, nos Estados Unidos, para pregar durante o mardi gras — o festival de carnaval celebrado em março na cidade americana. Um mês depois, Landon, de 66 anos, estava morto.
Após o festival, quando já tinha sintomas da doença, o pastor postou nas redes sociais sobre a “histeria” em relação à covid-19. Em 13 de março, compartilhou no Facebook uma postagem em que as mortes por covid-19 eram comparadas às da gripe suína e que trazia números falsos.
Agora, a família de Landon — mulher e cinco filhos — esperam que a pandemia causada pela covid-19 passe, para poderem realizar um velório em memória ao ente falecido.
Por enquanto, houve apenas um enterro no qual poucas pessoas compareceram, incluindo um guitarrista de blues que tocou ao lado do caixão.
“Ele amava rir, amava tocar guitarra”, lembra uma das filhas de Ladon, Jesse Spradlin. “Era o melhor homem do mundo.”
Pregação no festival
Há pouco mais de um mês, Landon, que tinha 66 anos, foi de carro com sua esposa Jean da casa deles na Virgínia para o Estado da Louisiana, a 1,5 mil km de distância.
Ele viu o mardi gras como uma oportunidade de, através da música, “salvar as almas de algumas das centenas de milhares de pessoas” que estariam nas ruas.
Duas de suas filhas, que vieram do Texas, também o acompanharam.
“Sua missão era ir a pubs, clubes noturnos e bares para tocar blues e se conectar com os músicos, falando do amor de Jesus”, conta a filha Jesse, de 28 anos.
“O mardi gras em Nova Orleans é como a Times Square em Nova York durante o ano novo”, diz ela. “É um mar de gente bebendo e festejando. Ele falou muito, riu. Estava à vontade.”
Spradlin tocava guitarra desde os quatro anos de idade e, em 2016, foi incluído no Hall da Fama do Blues de Virgínia. A religião, diz a família, o salvou o alcoolismo e do vício em drogas que o acometeram aos 20 e poucos anos.
Nos anos mais recentes, o pastor estava realizando o sonho de pregar através da música — e sua experiência difícil com drogas o tornava mais próximo de pessoas que se sentem tristes e excluídas, algo com o qual ele conseguia se identificar.
No mardi gras, a banda da família tocou em uma praça movimentada, sem perceber a ameaça à qual estavam expostos.
Eles não foram os únicos. Ainda que já tivesse passado um mês desde o primeiro caso confirmado de coronavírus nos Estados Unidos, o mardi gras foi adiante normalmente.
As autoridades locais agora acusam o governo americano de negligência e da falta de esforços coordenados para evitar novas contaminações.
Entre os casos suspeitos na Lousiania, estava Spradlin, mas exames apontaram resultado negativo para a covid-19. Foi quando postou nas redes sociais sobre a “histeria” em torno do vírus.
‘Eu apenas disse: você precisa chegar em casa. Mas ele não conseguiu’
Landon Isaac, 32, filho do pastor, me contou que ele e o pai haviam conversado e concordado sobre o que consideravam ser um frenesi irracional e um medo do vírus motivado, talvez, pelo ano eleitoral nos Estados Unidos.
“Quero destacar que papai não achava que era uma farsa, ele sabia que era um vírus real”, diz Landon Isaac.
“Mas ele publicou aquela postagem porque estava frustrado com mídia propagando o medo como principal forma de comunicação.”
Em meados de março, porém, a saúde do pastor Spradlin subitamente piorou. Ele e sua esposa decidiram fazer, mesmo assim, a longa viagem de volta para casa, de Nova Orleans à Virgínia.
“Falei com meu pai cinco minutos antes de ele desmaiar, na Carolina do Norte”, lembra o filho do pastor. “Posso dizer que percebi a respiração dele ficando ruim. Eu apenas disse: você precisa chegar em casa. Mas ele não conseguiu.”
Após oito dias em uma unidade de terapia intensiva (UTI), o pastor morreu.
“É como se papai fosse nossa coluna de apoio e alguém a derrubasse. Parece que o teto está caindo sobre todas as nossas cabeças agora”, lamenta Landon Isaac.
Por dias, Isaac e suas quatro irmãs tiveram que se comunicar com a mãe pela porta de vidro da casa dela. O pequeno funeral veio depois do fim da quarentena da esposa do pastor, Jean.
“Nunca pensamos que nosso pai fosse morrer por causa disso. Mas ele não era o tipo de pessoa a viver apenas de medo, deixando que sua alegria de vida fosse roubada”, diz Jesse Spradlin.
Polarização política e coronavírus
Ela diz que o pai desconfiava da mídia, o que contribui para o pouco caso que fazia dos perigos do coronavírus.
“Fiquei frustrada pela mídia ser muito pautada por uma agenda política — de todos os lados. Sinto que a questão do coronavírus se transformou em algo de ‘partido contra partido’, em vez de uma nação sob Deus”, diz ela.
Para Jesse, a polarização política, que atingiu também a mídia americana, torna difícil saber em que acreditar.
De fato, é impressionante como a opinião de cada americanos sobre a pandemia praticamente varia conforme sua posição política. Pesquisas mostram que os republicanos estão mais inclinados a pensar que há uma reação exagerada ao coronavírus; já os democratas, que a situação não está sendo levada a sério o suficiente.
Jesse sente que a magnitude da crise que tirou a vida de seu pai indica que estas disputas não podem mais continuar assim.
“Ainda há muitas notícias pautadas por uma agenda política, mesmo que as pessoas estejam morrendo”, diz ela.
“Isso está afetando nosso país e, a menos que comecemos a agir como uma nação, não encontraremos realmente uma solução. Mas, para que isso aconteça, é necessária uma certa humildade.”