O cometa Neowise tem causado sensação no hemisfério Norte e frustração no Sul. Acima da linha do Equador, fotos e observações maravilhosas do astro e de sua cauda exuberante. Abaixo dele, o mundo foi privado do espetáculo –até agora.
A partir desta semana, o cometa vem ganhando terreno no céu austral, e a essa altura já pode ser procurado no Brasil próximo ao horizonte, logo após o poente.
Os astrônomos costumam dizer que cometas são como gatos: a gente nunca sabe como vão se comportar. Então não é fácil prever o tipo de espetáculo que ofertarão. E o caso do Neowise é emblemático: antes de março, ninguém nem sabia que ele existia.
O astro foi detectado pela primeira vez no dia 27 daquele mês, pelo satélite Neowise, da Nasa. Trata-se na verdade de um telescópio espacial de infravermelho que, em sua concepção original, designada Wise (Wide-field Infrared Survey Explorer), se destinava a pesquisar objetos distantes, dentro e fora do Sistema Solar.
Em 2010, após a missão de mapeamento do céu, o satélite foi redesignado Neowise e passou a ser usado para buscar objetos próximos à Terra (conhecidos pela sigla NEO).
No dia 31 de março, o objeto descoberto com os dados do satélite foi confirmado como um cometa e no dia seguinte recebeu sua designação sistemática. É o nome completo do cometa, dado pela IAU (União Astronômica Internacional): C/2020 F3 Neowise.
A letra C, é claro, indica que se trata de um cometa. Mas especificamente um cometa não periódico, ou seja, que está fazendo sua primeira visita registrada pelo interior do Sistema Solar. Quando um cometa é periódico, ou seja, foi registrado em múltiplas passagens, ele ganha a letra P.
O primeiro e mais famoso dos cometas P, claro, é o cometa 1P/Halley. Da mesma forma que o atual cometa todo mundo só chama de Neowise, pouca gente além dos astrônomos se dá ao trabalho de chamar o Halley de 1P. A sigla é meio autoexplicativa: ele foi o primeiro cometa a ser identificado como periódico, graças aos esforços do astrônomo britânico Edmond Halley, nos idos de 1705.
Seja o cometa periódico ou não, sua origem remonta às profundezas do Sistema Solar. Seus locais de residência originais podem ser o cinturão de Kuiper, localizado além da órbita de Netuno, ou a difusa nuvem de Oort, ainda mais distante. Lá, esses agregados de gelo e rocha que consistem em restos do processo da formação dos planetas, ocorrida há 4,5 bilhões de anos, repousam em berço esplêndido –mas não eternamente em alguns casos, pois encontrões ou trombadas entre eles podem acabar atirando-os para dentro do Sistema Solar.
O Neowise é um desses que de algum modo vieram parar em nossa vizinhança e agora fazem uma breve visita. Pela trajetória, os astrônomos podem calcular o tempo que ele leva para dar uma volta inteira. No caso dele, eram 4.400 anos. Mas, ao passar de raspão pelo Sol em 3 de julho, a gravidade solar o acelerou e aumentou seu período orbital para 6.700 anos. Portanto, não dá para contar com a perspectiva de vê-lo numa próxima passagem.
Os cometas se tornam mais brilhantes conforme se aproximam do Sol, e a radiação passa a sublimar (nome que se dá ao processo em que gelo passa diretamente a vapor) seus componentes voláteis. É esse processo, bem como a posterior interação dos gases com a radiação do Sol, que produz a coma e a cauda, a atmosfera estendida que caracteriza esses astros.
Após passar a meros 43 milhões de quilômetros do Sol, o cometa se tornou bastante brilhante. Assim que se afastou o suficiente do astro, os observadores do hemisfério Norte puderam notá-lo até mesmo a olho nu, primeiro pouco antes do amanhecer e depois logo após o anoitecer. Nas latitudes mais altas do Norte, o aspecto circumpolar do astro (como se apenas girasse ao redor do polo norte celeste) o manteve no céu, próximo ao horizonte, durante toda a noite.
A partir desta semana, o astro passou a ser visível também no hemisfério Sul, começando pelo Norte do Brasil e ganhando mais terreno a cada dia. A essa altura, em Brasília e em Belo Horizonte ele já pode ser procurado. Em São Paulo e Rio de Janeiro, vale a pena a tentativa entre esta quarta (22) e quinta-feira (23), para quem tiver horizonte livre na direção noroeste, pois o cometa estará muito baixo no céu após o poente.
A cada dia que passa, a diferença de tempo entre o pôr do Sol e a descida do Neowise para baixo do horizonte ganha cerca de 20 minutos. Então, nesta quarta, em São Paulo, o Sol se põe às 17h41, e o Neowise dali a pouco mais de uma hora, às 18h49. Na quinta, o Sol desce às 17h41 de novo, e o Neowise só às 19h10. E assim por diante.
Contudo, o desânimo é que, a cada dia, ele perde mais o brilho. Espera-se para os próximos dias magnitude entre 3 e 4 (quanto menor esse número, mais brilhante, e o limite do olho humano, em céus sem poluição luminosa, é de 5,5).
“Mas antes de observar temos que saber uma coisa”, explica Eder Canalle, da REA-Brasil (Rede de Astronomia Observacional). “Os cometas são corpos extensos, assim a magnitude deles é integrada, ou seja, pega-se todo o brilho da área do cometa e se considera num único ponto para que se tenha a magnitude, dessa forma, ver um cometa com magnitude 3,9 não é a mesma coisa que ver uma estrela com magnitude 3,9.”
Em resumo, é mais difícil. Por isso, Cassio Barbosa, astrônomo da FEI (Fundação Educacional Inaciana), deixa uma sugestão. “A dica para cometas é observar de canto de olho e reparar alguma manchinha”, diz, indicando que, na visão periférica, a retina é mais sensível à luz.
Um binóculo ajuda, principalmente nas grandes cidades, onde a poluição luminosa atrapalha. E aproveite os próximos dias, porque, depois disso, só em 6.700 anos.