A situação da pandemia da covid-19 no Brasil, que tem apresentado média diária de mais de mil mortes, justifica a expectativa depositada na comprovação da eficácia das vacinas que estão sendo testadas por aqui. É natural que a ansiedade faça com que muitos esqueçam que, entre o resultado positivo das pesquisas e a imunização da população, ainda exista um longo caminho a ser percorrido.
Muitos passos serão dados depois do “Dia V” (de Vacina). Entre eles, a aprovação pela Anvisa, a importação de insumos e das primeiras doses, a construção e ampliação de fábricas e laboratórios, a logística para cobertura vacinal do território nacional e muito mais.
Entre as vacinas testadas no País estão a desenvolvida pela chinesa Sinovac, em parceria com o Instituto Butantã, de São Paulo; o imunizante da Universidade de Oxford (Reino Unido), testado no Brasil em parceria com a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e a vacina da PFizer/ BioNTech – os estudos no Brasil começam em agosto e têm apoio do Centro Paulista de Investigação Clínica (Cepic), em São Paulo, e da Instituição Obras Sociais Irmã Dulce, na Bahia.
O primeiro a ser considerado é: de fato teremos vacina? Especialistas ouvidos pelo Estadão se mostram confiantes, mas ninguém ainda pode cravar que seja ainda este ano. “Sempre que você faz pesquisa é porque há certo grau de incerteza. Se já tivéssemos as respostas, não seria necessário fazer pesquisas. Sempre é possível contar com algo inesperado. O que posso dizer é que, nesse ponto, acumulamos uma quantidade de informação que faz com que esse grau de incerteza seja menor”, disse Ricardo Palacios, diretor médico de pesquisa clínica do Instituto Butantã.
Na semana passada, o diretor do programa de emergência da Organização Mundial da Saúde, Michael Ryan, afirmou que é melhor não esperar por vacinação até o início de 2021.
Em média, acredita-se que em cinco ou seis meses a eficácia das vacinas testadas no País possam ser comprovadas. A partir desse ponto, as empresas e institutos irão submeter esses resultados à Anvisa. Conforme a Anvisa, as análises podem demorar até 60 dias. Mas, como há um comitê já acompanhando o desenvolvimento das vacinas, o prazo deve encurtar. É razoável imaginar que a autorização para produção demore bem menos do que no caso de outros remédios ou imunizantes.
Quando a vacina for liberada, a questão que se impõe é a de produção e distribuição. A primeira pergunta: serão produzidas no Brasil? Sim, as vacinas de Oxford e Sinovac serão feitas aqui. Já as doses da vacina PFizer e BionTEch serão produzidas nos EUA e Europa (portanto, precisarão ser importadas).
Em relação à vacina de Oxford, por exemplo, a Fiocruz afirma ter capacidade de atuar imediatamente nas etapas de processamento final (formulação, envase, rotulagem e embalagem) e controle de qualidade, por meio de seu Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos). Ainda segundo a FioCruz, será possível chegar ao processamento de 40 milhões de doses mensais do ingrediente farmacêutico ativo, “considerando a estrutura já instalada e o aumento da produtividade, calculado por meio do estabelecimento de novos turnos de trabalho e do rearranjo das atividades produtivas.”
Nesse momento, a Fiocruz já teria capacidade de executar todo o processamento final da vacina, a partir do recebimento do ingrediente farmacêutico ativo (IFA) da biofarmacêutica AstraZeneca. Em paralelo, a fundação deverá fazer adequações em suas instalações. Estima-se que um 1º lote, com 15,2 milhões de doses, possa ser produzido até dezembro e outro lote, com as 15,2 milhões de doses restantes, possa ser entregue em janeiro de 2021. A previsão é de que a incorporação completa do IFA possa ser concluída nos primeiro semestre de 2021.
Já a vacina desenvolvida pelo Butantã terá uma 1ª dose importada. Isso porque a previsão para completa adaptação dos espaços da instituição deve ser finalizada no início do ano que vem. Para facilitar a compreensão, Palacios compara a montagem do laboratório com a de uma cozinha. “Alguns móveis já existem, estão prontos. Um fogão, por exemplo, você pode adquirir pronto. Já, outras coisas, você precisa fazer sob medida e pode levar mais tempo.” Mesmo sem a “fábrica” pronta, o acordo prevê que o Butantã receberá as primeiras doses da vacina direto da Sinovac (para depois, com a transferência de tecnologia, começar a produzi-la aqui).
Em relação às vacinas desenvolvidas pela PFizer/ BioNTech, criou-se uma polêmica sobre sua distribuição depois que os EUA anunciaram a compra de 100 milhões de doses – exatamente o número de doses que está sendo produzido pelas companhias. A diretora médica da Pfizer Brasil, Márjori Dulcine, explicou que “o governo americano não comprou todas as doses que serão produzidas em 2020”. Segundo ela, o acordo com os EUA é para entregas que devem ser realizadas entre 2020/2021. A estimativa da Pfizer é ter uma produção de 1, 3 bilhões de doses entre 2020 e 2021. “A companhia já está em contato com o governo brasileiro para disponibilizar sua vacina à população”, disse Márjori.
Com a produção definida (as empresas já estão produzindo sob risco), outro desafio é a logística para vacinar uma população tão grande quanto a nossa – quase 210 milhões de habitantes. A coordenação será do Ministério da Saúde. Conforme a assessoria da pasta, a estratégia está sendo definida, mas o País já possui estrutura para distribuição e vacinação (que deve seguir os moldes de outras campanhas).
Para Soraya Smaili, reitora da Unifesp, a vacinação em massa será possível se houver empenho e investimento do governo. “Temos condições de fazer vacinação em massa Existe um sistema capilarizado e o SUS. Agora, nada acontece sem investimento e estratégia – principalmente em um país da dimensão do Brasil.” Entre especialistas, há receio de que um governo há 72 dias sem ministro titular tenha dificuldade de organizar uma ação desse porte.
Especialistas envolvidos no desenvolvimento do imunizante não acreditam em uma vacinação em massa em um primeiro momento, mas um processo escalonado que deve levar as primeiras doses para profissionais de saúde e outros grupos. “É provável que para o vírus parar de transitar, uma vacinação que atinja de 50 a 70% da população já pode ser suficiente”, diz Cristiano Augusto de Freitas Zerbini, diretor da CEPIC.
Com tudo correndo dentro do esperado, há outro ponto: o número de doses. Os cientistas envolvidos nos projetos indicam que a maior probabilidade é de que a vacina da covid-19 seja aplicada em duas doses – com intervalo de tempo que pode variar de 14, 21, 28 dias (e até dois meses). Ainda não está claro para os cientistas qual será a necessidade de reforço para os imunizantes. Mas a impressão inicial é de que, talvez, ela funcione como a vacina contra a gripe – o que traz a necessidade de um a renovação. Além disso, é importante lembrar que a ação das vacinas não é imediata.
E Zerbini ainda alerta: “Geralmente a eficácia não é de 100%. Uma vacina pode ser liberada com 50% de eficácia. O que, talvez, indique que as pessoas tenham que tomar mais de um tipo de vacina. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.