Em comemoração ao Dia Nacional de Combate ao Fumo hoje, 29, o Instituto Nacional do Câncer (INCA) promoveu um webinar, onde foram apresentados resultados da pesquisa Interferência da Indústria do Tabaco no Brasil: a Necessidade do Ajuste de Contas. A análise apontou que o gasto com tratamento de doenças relacionadas ao tabaco para a sociedade brasileira é quase duas vezes superior ao dinheiro investido em marketing pela indústria do produto.
Os pesquisadores concluíram que além de buscar ressarcimento pelo dano causado através do tabagismo para dar suporte aos tratamentos e programas de saúde, é fundamental medir a responsabilidade daqueles que violam as leis antitabagismo. Tais mensurações poderiam ajudar nas iniciativas do governo na busca de compensação dos custos públicos e privados, associados ao tratamento de pacientes e aos programas de cessação de fumar. Promoveriam consequentemente, a redução do tabagismo no país. “A conta não fecha. Para cada centavo investido em marketing pela indústria do tabaco para recrutar novos fumantes, o Brasil tem um gasto direto com tratamento de doenças tabaco relacionadas 1,93 vezes superior ao dinheiro investido pela indústria”, destacou André Szklo, pesquisador do INCA e autor do estudo, que apresentou as informações durante o webinar.
Foi desenvolvida uma metodologia capaz de estabelecer um parâmetro de aferição dos resultados negativos para o setor saúde, gerado pelo investimento em marketing da indústria do tabaco. Segundo apontaram, hoje no Brasil crescem práticas ilegais de publicidade, propaganda e patrocínio por parte destas corporações em eventos musicais e por meio das redes sociais, voltados a atrair principalmente o público jovem para o uso do cigarro. Atualmente, há 1,1 bilhão de fumantes no mundo sob maior risco de desenvolverem doenças graves causadas pelo tabagismo se comparados aos não fumantes, entre elas o câncer, doenças cardiovasculares e respiratórias crônicas. No Brasil, apesar da redução da prevalência de fumantes, cerca de 20 milhões de pessoas ainda fumam. Um montante que equivale a quase duas vezes a população de Portugal.
Há evidências de que fumar potencializa o risco do agravamento da COVID-19. “Fumantes são mais vulneráveis à invasão do vírus nas células. A toxicidade do cigarro aumenta a expressão da enzima de conversão da angiotensina 2 (ACE-2) na membrana celular, especialmente dos pulmões. É exatamente na ACE2 que o vírus se encaixa para invadir as células e se multiplicar. Ao deixar de fumar, a expressão da ACE2 tende a normalizar. Após oito horas desaparece a hipóxia, em cerca de 24 horas ocorre a recuperação das lesões dos vasos sanguíneos, em duas semanas, a coagulação sanguínea retorna ao normal. Se já existiam razões suficientes para fomentar políticas antitabaco, a pandemia e as evidências científicas acerca dela, só fortaleceram esta necessidade. Em outras palavras, o quanto antes a pessoa parar de fumar, ocorre a diminuição do risco de agravamento da COVID-19. A pandemia nos mostrou que é urgente investir em prevenção e cessação do tabagismo, também considerado uma pandemia”, completou a médica Tânia Cavalcante, Secretária Executiva da Convenção Quadro para o Controle do Tabaco no Brasil, também autora do estudo.
O adoecimento em dados:
O tabagismo é responsável por mais de oito milhões de mortes anuais no mundo, sendo sete milhões o resultado direto do consumo do tabaco, enquanto cerca de 1,2 milhão diz respeito a não fumantes expostos ao fumo passivo. No Brasil, a dependência da nicotina causa 157 mil mortes, gerando um custo anual para a sociedade brasileira de cerca R$ 57 bilhões. São 12,6% do total delas, sendo 21,4% de todas as mortes por câncer, 74% das ocasionadas por doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), 18% das mortes por doenças coronarianas (angina e infarto) e 13% das ocorridas por doenças cerebrovasculares (acidente vascular cerebral – AVC). Além disso, o tabagismo por si só é considerado uma doença, inserida na Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10) da Organização Mundial da Saúde (OMS). No Brasil, apesar dos avanços na política antitabaco, ainda existem cerca de 20 milhões de fumantes.
O estudo do INCA se baseou em dados sobre o comportamento do fumante brasileiro provenientes da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) e da Secretaria da Receita Federal. Estima que cada R$ 137 mil de lucro obtido por empresa de tabaco com a venda de cigarros legais no Brasil, e usado para estratégias de marketing, é equivalente a uma morte por DPOC, câncer de pulmão, infarto agudo do miocárdio, síndrome coronariana aguda ou derrame atribuível ao tabagismo. As doenças selecionadas para análise foram aquelas que apresentam os maiores custos diretos de tratamento atribuíveis ao fumo. No Brasil, continuam sendo identificadas ações de publicidade, propaganda e patrocínio por parte da indústria do tabaco em eventos musicais e por meio das redes sociais, o que é proibido. “Quando a indústria do tabaco viola leis para continuar atraindo jovens para o tabagismo, gera um atraso significativo na redução dos fumantes no Brasil. Esse atraso aumenta mais ainda o custo do tabagismo para o Brasil. Por isso é indispensável que seja avaliada a ocorrência dessas ilegalidades e mensurada a real dimensão do seu impacto negativo”, concluiu Tânia Cavalcante.
A diretora-geral do INCA, Ana Cristina Pinho, comentou a dependência da nicotina, destacando o fato de ser uma doença pediátrica, que “captura” crianças e adolescentes pela experimentação, e atinge mais a renda dos mais pobres. Deu ênfase ainda a necessidade de mostrar a população que há tratamento.“É crucial avançarmos, conhecermos melhor o problema. Como referência na política de controle, podemos mostrar um caminho para medidas de educação em saúde, para que as pessoas conheçam os riscos, e também as oportunidades de tratamentos disponíveis para a cessação do tabagismo, já que o SUS oferece esse tratamento”, destacou Ana.