Fábio Dias, de 40 anos, ainda faz as contas de quantas crianças vai transportar de volta à escola na van que ele dirige em Sorocaba, no interior de São Paulo. Uma certeza ele tem: o próprio filho não será uma delas. Isso porque colégios particulares foram autorizados a reabrir a partir desta terça-feira, 8, na cidade, mas escolas da rede municipal – onde Fernando, de 8 anos, estuda – devem continuar fechadas até o fim do ano.
Colégios de Sorocaba e de outras cidades paulistas abrem as portas nesta terça-feira, 8, pela primeira vez após o decreto de quarentena em março para conter a disseminação do coronavírus, mas o modelo de reabertura adotado nos municípios não atinge todas as crianças. Em alguns, escolas privadas devem voltar a funcionar antes – e mesmo dentro da rede pública há diferenças de datas de retorno às atividades presenciais.
A volta às aulas foi autorizada pelo governo estadual, que deixou nas mãos das prefeituras a decisão sobre datas e sobre quais redes retomariam as atividades presenciais. Apenas municípios há 28 dias na fase amarela do plano de reabertura, em que há queda nas infecções pela covid-19, podem reabrir as escolas a partir desta terça para atividades de reforço e acolhimento emocional. Nem todos – a capital paulista é um exemplo – optaram pela reabertura neste mês.
Municípios como Sorocaba, Itu, Itapevi e Cotia decidiram que colégios da rede municipal só abrem as portas no ano que vem, enquanto os particulares e estaduais têm aval para a reabertura nesta terça. Boa parte das prefeituras vem usando consultas aos pais de alunos para referendar as determinações. Em ano eleitoral, a decisão sobre a reabertura sofre pressões – dos professores, contrários, que não veem segurança para voltar à escola, e de colégios privados, que perderam matrículas e tiveram queda de até 80% nas receitas durante o longo tempo de quarentena.
Em Sorocaba, embora a maior parte das famílias consultadas por meio de uma pesquisa da prefeitura tenha optado por não mandar as crianças de volta à escola municipal, a disparidade que se criou entre a rede pública e a privada é motivo de queixa. Especialistas em educação dizem que o modelo aprofunda as desigualdades educacionais entre as crianças.
“A prefeitura disse que está baseando (a decisão de não abrir as municipais) nos 80% dos pais que falaram em uma pesquisa que não mandariam os filhos este ano para a escola. Só que não achei justo. A escola não deve voltar só com 20% dos alunos mesmo? Então deixa que voltem esses 20% que querem. Meu filho está tendo dificuldades para fazer as aulas online. A gente (os pais) tem de ajudar e muitas vezes também tem dúvidas”, diz Fábio Dias.
Motorista de uma van escolar que ainda nem terminou de quitar, ele viu os rendimentos despencarem na quarentena e teve de complementar a renda como motorista de aplicativo para sustentar os três filhos mais novos: dois meninos, de 8 e 16, e uma menina de 11. Com a retomada, prevê transportar poucas crianças da rede particular para a escola. Enquanto isso, se desdobra com a mulher para ajudar as crianças a estudar, principalmente o mais novo, Fernando, de 8 anos.
“Tem lições em que o vídeo não explica tudo. Tenho certa dificuldade em Português, nunca fui um bom aluno nessa matéria. Um dia, assisti, assisti e assisti o vídeo, mas não consegui achar as respostas para as questões. Aí falei para o meu filho: ‘Deixa sem fazer, infelizmente, porque também não estou sabendo'”, lembra Dias.
Mãe de dois meninos, de 5 e 7 anos, a confeiteira Daniele Nunes, de 32, até diminuiu as encomendas para ajudar as crianças nos estudos. O marido trabalha com frete e passa o dia inteiro fora de casa. “A gente tenta fazer como se fosse na escola, mas é difícil porque professores estudaram para isso e eu estudei para a confeitaria. Eles têm muitas dificuldades.” Alunos da rede municipal, as crianças só devem voltar para a escola no ano que vem e o mais velho, de vez em quando, confunde a professora deste ano com a do ano passado, com quem teve mais contato.
“Se fosse para ver a realidade seria para voltar os pequenos que não têm tantas condições. Porque a rede privada tem como fazer aulas online e muitos dos pais com o filho em escola pública não têm a mesma condição.” Daniele vê prejuízos na aprendizagem das crianças, que recebem as atividades escolares impressas para fazerem em casa. “Em casa muita coisa tira a atenção deles.”
Mãe de gêmeos, a publicitária Fábia Leite, de 45 anos, também notou que o longo tempo de permanência em casa estava prejudicando os filhos, de 4. “Começou um conflito entre eles, os dois não sabem o que está acontecendo, estão sem paciência, brigam, a gente interfere e acaba brigando com eles. A situação fica mais pesada dentro de casa”, diz a mãe, que vê dificuldades para conciliar o trabalho em home office, cheio de reuniões, com a atenção aos meninos.
Para estimular as crianças, ela tenta aproveitar situações do dia a dia. Comprou um relógio de parede para ensinar as horas e apresentou o conceito de par e ímpar com brincadeiras de lego. “Percebo que tem de ter uma vontade de aproveitar situações do dia a dia para ensinar alguma coisa que está no contexto deles. Meu marido é professor, eu também sou formada em Artes, então acabamos aproveitando esse conhecimento”, diz Fábia.
Nesta terça, os filhos de Fábia devem fazer uma das primeiras incursões fora da quarentena para ir ao colégio. A Escola Chácara Viva a Vida, uma unidade particular de educação infantil, vai reabrir para cerca de 25 alunos de 1 a 5 anos – antes da pandemia, eram 80. “O fato de ter poucas crianças retornando está dando um pouco mais de tranquilidade para proporcionar a eles esse respiro.” A decisão de mandar para a escola pode ser repensada, diz, caso a curva de contaminação volte a subir.
Como a Viva a Vida, escolas particulares em Sorocaba e outros municípios abrem as portas sob uma série de regras novas e, em alguns casos, com orientação de equipes médicas. No Colégio Uirapuru, um dos maiores do município, os protocolos incluem medição de temperatura e trocas de máscaras. “As escolas já estão se preparando há tempos. vamos retornar com poucas crianças para atender os pais que estão trabalhando”, diz Kátia Cristina Vergílio Scanavez, diretora da Viva a Vida.
O colégio aposta em espaços abertos, construiu uma tenda em meio à área verde para as crianças, retirou os brinquedos de uso comum e sinalizou o piso e a área de refeições para que as crianças tenham menos contato entre si. “Vamos mostrar que temos de cumprimentar o amigo com o pezinho, falei para os pais conversarem com os filhos e explicarem por que não pode dar beijo no amigo ainda”, diz a diretora. “Lutei pelo retorno pensando no emocional das crianças e queria que a rede pública voltasse também porque as crianças estão vulneráveis.”
Por meio de nota, a prefeitura de Sorocaba informou que a autonomia para reabertura da rede privada foi concedida de maneira facultativa e que, nessas unidades, todos os protocolos sanitários devem ser seguidos. Indagada sobre o apoio aos pais da rede pública que voltaram a trabalhar, disse que “prioriza o caráter educacional” e que usa tanto ferramentas digitais quanto atividades impressas para estudantes sem acesso à internet.
Na rede estadual, abertura em setembro depende de demanda dos pais
Mesmo na rede estadual, o retorno para atividades de reforço e acolhimento não deve ocorrer em todas as escolas a partir desta terça-feira, 8. Na capital paulista, por exemplo, nenhuma escola, pública ou privada, está autorizada a retornar. O prefeito Bruno Covas (PSDB) aguarda resultado de inquérito sorológico, que pesquisa anticorpos contra o coronavírus nos estudantes, para tomar uma decisão sobre a volta às aulas.
Segundo balanço do governo estadual informado na sexta-feira, 128 municípios sinalizaram aval para abrir pelo menos parte das escolas nesta terça – metade deles usaram decretos para deixar claro o modelo de reabertura. Nessas cidades, a rede estadual pode retomar atividades presenciais aos poucos a partir de amanhã, mas nem todas as escolas estaduais devem reabrir já.
De acordo com a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (Seduc), a abertura das unidades estaduais está condicionada a uma pesquisa que mapeia o interesse dos pais de que os filhos retornem às atividades neste mês. No inquérito, os pais podem dizer se gostariam de retornar em setembro ou outubro. Balanço preliminar indica preferência de 20% a 30% dos pais pelo retorno em setembro, segundo o governo.
Escolas que não identificarem demanda não precisarão abrir neste mês, segundo informou o subsecretário de articulação regional da Seduc, Henrique Pimentel. Nesses casos, o retorno está previsto apenas para outubro para as atividades curriculares (aulas). O governo estadual vê a volta facultativa em setembro, para os alunos que mais precisam, também como uma forma de teste para as escolas.
“São atividades graduais que vão possibilitar que a escola se prepare para o retorno de outubro, um momento para a escola entender como vai ser a nova convivência com os alunos e os cuidados. É como se estivéssemos tirando uma barreira – agora estamos permitindo a interação do professor com o aluno dentro da escola”, disse Pimentel.
A rede estadual, porém, enfrenta resistência de boa parte dos professores, que também vêm sendo consultados sobre o interesse de participar das atividades presenciais nas escolas em setembro. Para o Sindicato dos Professores do Ensino Oficial de São Paulo (Apeoesp), há riscos à saúde dos profissionais – os docentes são orientados a preencher o questionário informando que não têm essa intenção. Também há mobilização para que diretores informem que a escola não tem infraestrutura para receber os alunos