Um servidor do TCU (Tribunal de Contas da União) é acusado de ter recebido propina para atuar em favor dos interesses da defesa de Orlando Diniz, ex-presidente da Fecomércio-RJ, na corte.
Uma das estratégias elaboradas foi a criação de um grupo de trabalho para adiar um julgamento.
O Ministério Público Federal acusa o servidor Cristiano Rondon Albuquerque de receber cerca de R$ 800 mil de advogados de Diniz de 2014 a 2015 para retardar e influenciar decisões do tribunal.
De acordo com a Procuradoria, em função da rede de advogados envolvidos no caso, o ex-presidente da Fecomércio, que firmou delação premiada, sequer sabia da atuação do funcionário do tribunal do esquema.A atuação dele foi identificada por meio de quebras de sigilo dos emails dos acusados.
O caso faz parte da denúncia decorrente da Operação E$quema S, que acusa uma rede de advogados de tráfico de influência e exploração de prestígio no STJ (Superior Tribunal de Justiça) e no TCU.
Segundo o MPF, o principal responsável pela atuação criminosa no TCU foi o advogado Vladimir Spíndola, filho de uma ex-assessora do ex-ministro Antônio Palocci.A acusação afirma que o advogado recebeu R$ 4,8 milhões para atuar como lobista no TCU.
Naquele período, dois processos preocupavam Diniz. Um se referia à instituição de remuneração variável que beneficiou o alto escalão das entidades do Sistema S no Rio de Janeiro. Outro, a contratação, com dispensa de licitação, de diversas agências de publicidade, propaganda e marketing nos períodos abrangidos pelas auditorias.
As principais provas apresentadas sobre a suposta atuação criminosa são emails trocados entre Spíndola e Albuquerque.
Nas mensagens, os advogados alertam sobre a iminência do ministro Aroldo Cedraz colocar em pauta o julgamento sobre a remuneração variável. Eles relatam tentativas de adiar a pauta, mas descrevem um relator irredutível a Diniz.
Após uma série de pagamentos, por meio de novos contratos com Spíndola, o julgamento acaba adiado por uma ação do ministro Raimundo Carreiro, que solicitou o envio do processo ao seu gabinete em março de 2014.
No mês seguinte, Carreiro comunica que instituirá um grupo de trabalho para discutir justamente a remuneração variável no Sistema S, usando como precedente o caso de outra regional.
Os emails mostram, para os investigadores, que a proposta seria feita, por sugestão de Albuquerque, pelo grupo de advogados de Diniz para tentar adiar ainda mais o julgamento. “O tribunal tem diversos precedentes no sentido de convocar audiências públicas, painéis, encontros, seminários, etc. acerca de temas relevantes sob sua apreciação. Esta prática vem sendo intensificada nos últimos anos, sobretudo com o advento dos modelos de concessões de serviços públicos, que são objeto de acompanhamento pela corte”, escreveu o servidor.
“Interessa-nos, mais do que a realização do evento, o ineditismo em sobrestar-se processos relacionados ao tema versado. Aí sim, se me permitem, vislumbro verdadeiro êxito a ser levado ao cliente”, afirmou Albuquerque no email, referindo-se a Diniz.
Na mensagem, o servidor diz que o ministro encampou espontaneamente a proposta.
O MPF afirma que o grupo de advogados criou um clima de tensão sobre o processo a fim de que Diniz assinasse aditivos aos contratos para que pudesse encontrar uma “solução política” para o caso.
Albuquerque também atuou, segundo as investigações, no julgamento sobre contratação de agências de publicidade. Neste caso, o servidor chegou a antecipar supostas minutas de acórdão que iam contra o interesse de Diniz.
“A exposição antecipada do suposto Sumário do Acórdão por Cristiano Albuquerque, em suposto julgamento que acabaria adiado, foi a forma de mostrar ‘serviço’ ao grupo, além de toda a sua pretensa influência no TCU. Também serviu para incutir cada vez mais em Orlando Diniz a percepção de que a sua situação piorava naquela corte, e mais e mais ‘investimentos’ deveriam ser feitos, se quisesse o ex-presidente do Sistema S carioca permanecer à frente das entidades e não ser punido”, escreveu o MPF.
O pagamento de propina, segundo a Procuradoria, se deu por meio de repasses entre três escritórios de advocacia.
Os procuradores afirmam que a atuação de Spíndola só se deu graças à anuência de Cristiano Zanin e Roberto Teixeira, responsáveis por coordenar a batalha jurídica em torno do comando do Sistema S do Rio. Nos emails de Albuquerque, porém, Zanin e Teixeira não estão entre os destinatários. Eles aparecem, principalmente, iniciando o contato com Spíndola.
Em nota, o TCU afirmou que a corregedoria instaurou procedimento para apurar a atuação do servidor. Zanin, em nota, negou envolvimento com tráfico de influência em tribunais superiores.
Ele afirma que é vítima de intimidação da Lava Jato em razão de suas ações contra a operação.Procurado, Spíndola não retornou às mensagens enviadas. O jornal não localizou Albuquerque ou sua defesa.