Atuante para impor limites ao presidente Jair Bolsonaro e na definição de parâmetros para as políticas públicas contra a Covid-19, o STF (Supremo Tribunal Federal) e o Judiciário no geral também deram inúmeros maus exemplos no combate à pandemia.

O Supremo acabou com as sessões presenciais ainda em abril, mas a migração para o modelo virtual não evitou totalmente as aglomerações.

A posse do ministro Luiz Fux na presidência do tribunal em setembro, por exemplo, contou com a presença de 48 convidados no plenário do tribunal, fora assessores, seguranças e jornalistas que ficaram nas dependências do STF.

Dias depois da solenidade, ao menos oito autoridades testaram positivo para a Covid-19. Após a cerimônia, Fux ainda recebeu pessoas próximas para um coquetel no gabinete da presidência.

A ministra Cármen Lúcia estava presente na posse e também contraiu a doença. A magistrada, no entanto, não confirmou oficialmente o diagnóstico. Meses depois, em uma palestra, ela admitiu ter sido infectada pela Covid-19, mas não deu detalhes de quando foi nem dos sintomas que teve.

Em novembro, foi a vez da posse de Kassio Nunes Marques como ministro do Supremo. Devido à repercussão negativa da cerimônia presencial de Fux, a assessoria do tribunal anunciou que a posse de Kassio seria virtual.

No dia, porém, dez autoridades estiveram no plenário da corte, além de assessores, seguranças e integrantes da imprensa que ficaram do lado de fora. Cinco dias depois, o ministro Alexandre de Moraes, que estava na solenidade, testou positivo para a Covid-19.

Em outro episódio polêmico, o Supremo pediu para o Instituto Butantan e para a Fiocruz a “reserva” de doses para vacinar 7 mil funcionários do tribunal e do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), desconsiderando a ordem prevista no Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação.

A solicitação foi feita no fim de novembro, antes mesmo de a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) ter aprovado o uso emergencial dos imunizantes.

Para justificar o requerimento, o STF afirmou que a vacinação de seus funcionários seria “uma forma de contribuir com o país nesse momento tão crítico da nossa história”.

O instituto paulista não se pronunciou a respeito. A Fiocruz, por sua vez, emitiu uma nota para afirmar que trabalha para garantir a produção nacional dos imunizantes, sem previsão de prioridade para qualquer órgão.

“A produção dessas vacinas será integralmente destinada ao Ministério da Saúde, não cabendo à fundação atender a qualquer demanda específica por vacinas”, ressaltou.

Na época, o STF negou que a solicitação representasse uma tentativa de ministros e servidores furarem a fila da imunização.

O Supremo alegou que pretendia ter as vacinas “sem qualquer intenção de obter prioridade na imunização em relação ao restante da população”.

Dias depois de revelada a notícia sobre o pedido de “reserva” das vacinas, porém, o secretário de Serviços Integrados de Saúde do Supremo, Marco Polo Freitas, foi demitido do cargo.
Movimentação similar em relação aos imunizantes ocorreu no STJ (Superior Tribunal de Justiça). O segundo tribunal mais importante do país também requisitou, sem sucesso, a reserva das vacinas aos institutos.

Além disso, o ministro João Otávio de Noronha, que presidiu o STJ até agosto de 2020, foi criticado por ter sido um dos anfitriões do casamento da sua filha, a advogada Ana Carolina, que teve 150 convidados em setembro último.

Diversas autoridades estiveram presentes e fotos circularam nas redes sociais de pessoas sem máscara no evento.

As instâncias inferiores do Judiciário também acumularam maus exemplos na pandemia. O desembargador do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) Eduardo Siqueira ficou famoso após ser flagrado humilhando um guarda civil que havia o multado por não estar de máscara em local público.

Toda a abordagem foi filmada pelos guardas, e as imagens viralizaram na internet. O magistrado chamou o agente de fiscalização de “analfabeto”, rasgou a multa e ainda tentou se livrar da punição comunicando o fato ao secretário de Segurança Pública da cidade.

Cinco dias depois, ele pediu desculpas. Siqueira foi afastado do cargo pelo CNJ e o STJ abriu um inquérito para apurar a conduta do magistrado.

Em 14 de janeiro último, porém, o ministro Gilmar Mendes, do STF, suspendeu a tramitação da investigação sob o argumento de que o direito de defesa de Siqueira não foi respeitado porque ele não foi avisado do julgamento do STJ que determinou instauração do inquérito.

Também virou notícia a juíza Ludmila Lins Grilo, que atua em Buritis (MG), por ter publicado vídeo na rede social em que ensina os seguidores a burlar o uso de máscara.

Além disso, ela estimulou as aglomerações. Em uma publicação, a magistrada mostra pessoas caminhando em um ponto turístico de Búzios (RJ), sem respeitar o distanciamento social, e elogia:

“Uma cidade que não se entregou docilmente ao medo, histeria ou depressão. Aqui, a vida continua. Foi maravilhoso passar meu Réveillon nessa vibe”.

Durante a pandemia, o Supremo impôs várias derrotas ao presidente Jair Bolsonaro e criticou medidas do governo federal que desestimulavam a população a seguir as normas indicadas pelas autoridades sanitárias, como o distanciamento social.

Em uma das decisões mais importantes sobre o tema, a corte reduziu os poderes do Executivo federal ao declarar que a competência concorrente de estados, municípios e União para enfrentar a propagação da doença. Assim, estabeleceu que governadores e prefeitos têm poder para decretar medidas de isolamento social, independentemente da posição contrária do governo federal.

A Folha questionou as medidas que o STF vem adotando para enfrentar a pandemia e perguntou sobre a aglomeração causada na posse de Fux na presidência. A corte reiterou o compromisso em respeitar as recomendações das autoridades de saúde e se limitou a listar as ações de combate à Covid-19 que vem desenvolvendo.

“Desde o início da pandemia, 80% dos servidores e colaboradores do tribunal estão em trabalho remoto em respeito às recomendações do Ministério da Saúde e da Organização Mundial da Saúde, para evitar a disseminação da COVID-19”.

E completou: “Além disso, as sessões do STF devem seguir por videoconferência, de forma virtual, no primeiro semestre de 2021 para proteção da saúde de servidores e magistrados”.

A reportagem também questionou detalhes sobre o diagnóstico da ministra Cármen Lúcia, mas não obteve resposta.

(FolhaPress/Brasília)