O racha no PSL e a disputa pela Presidência da Câmara ameaçam tirar o grupo do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) do comando da Comissão de Relações Exteriores, hoje um dos principais palcos da ala ideológica bolsonarista no Legislativo.
Considerado uma espécie de chanceler paralelo, Eduardo foi eleito no ano passado para a presidência do colegiado e fez da posição uma caixa de ressonância da guinada ideológica promovida por Ernesto Araújo no Ministério das Relações Exteriores.
Mas a avaliação de parlamentares ouvidos pela reportagem é que seu grupo tem chances reduzidas de se manter à frente da comissão.
O principal motivo é o racha no PSL, partido pelo qual o presidente Jair Bolsonaro se elegeu, mas que implodiu no fim de 2019. A divisão das comissões cabe às legendas, e o PSL na Câmara hoje é liderado pela ala que rompeu com o bolsonarismo.
Reservadamente, deputados do PSL dizem que a comissão não é mais uma prioridade. E ainda que, na partilha dos colegiados, a posição for destinada ao PSL, o grupo próximo do presidente da legenda, Luciano Bivar (PE), não pretende entregá-la para a ala rebelde.
Um deputado próximo a Bivar considera quase nula a permanência de aliados de Eduardo na presidência do colegiado e diz que o partido, obviamente, tende a contemplar deputados que não se rebelaram contra o PSL após a saída do presidente Bolsonaro.
As negociações de comissões também passam pela eleição para a Presidência da Câmara dos Deputados.
O PSL cerrou fileiras com o bloco formado pelo atual presidente da Casa, o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), mas já contando que os deputados bolsonaristas rebelados devem votar no candidato do Palácio do Planalto, Arthur Lira (PP-AL).
Maia, vedado pelo STF (Supremo Tribunal Federal) de tentar concorrer à reeleição, decidiu lançar como candidato de seu bloco o presidente do MDB, Baleia Rossi (SP), contra Lira.
O presidente da Câmara conseguiu atrair para o seu grupo os principais partidos de oposição, entre os quais o PT, que afirma ter alinhado um acerto com Maia para ocupar a presidência da Comissão de Relações Exteriores em 2020, o que não ocorreu por causa do fechamento das comissões devido à pandemia de Covid-19.
“Vai existir uma ordem de solicitação. Cada partido faz as suas escolhas numa determinada ordem, do maior para o menor”, afirma o deputado Carlos Zarattini (PT-SP).
“Nós vamos conseguir [a presidência] através da articulação do bloco, que vai ser majoritário. Vamos ter condição de estabelecer uma ordem em que ele não vai conseguir pegar [a comissão]”, ressaltou.
Embora não esteja entre as comissões tradicionalmente mais disputadas pelos partidos, o colegiado de Relações Exteriores é considerado fundamental para Eduardo e seus aliados.
Ao longo de sua presidência, o deputado articulou para que ela reforçasse as linhas da política externa do governo Bolsonaro.
Em novembro de 2019, Eduardo comandou na comissão a aprovação de uma moção de repúdio ao então recém-eleito Alberto Fernández, presidente da Argentina. O motivo apresentado era que o peronista Fernández havia publicado nas redes sociais uma mensagem de apoio a Lula. Aprovada na comissão, a moção foi barrada por Maia.
Meses antes, Eduardo havia cancelado de última hora audiências com os embaixadores do Irã e da Palestina, em mais um sinal interpretado como aceno à ala ideológica.
Se o filho de Bolsonaro agradou à ala ideológica com sua condução da comissão, na oposição a gestão de Eduardo é qualificada como um “caos”.
“Foi uma tentativa de criar um Itamaraty parlamentar com as mesmas ideias terraplanistas que estão levando a política externa do brasil a um isolamento total”, afirmou Zarattini. “Conseguimos barrar muitas coisas.”
Ivan Valente (PSOL-SP) avalia a presidência de Eduardo como uma “verdadeira excrescência”. “É um antidiplomata que queria ser embaixador nos EUA”, ironizou.
Para o deputado, em 2021 a perspectiva é a de uma mudança de ares na comissão. “Isso acompanha muito a correlação de forças na Câmara, a disputa da Mesa”, afirma. “Se o centrão embarcar direto no bolsonarismo, se a hegemonia do centrão for a ala mais intolerante, do ódio, aí tem chance de emplacar alguém igual a Eduardo ou que seguiria a mesma toada.”
Eduardo tem resistido a abrir espaço em sua agenda para diplomatas e parlamentares estrangeiros que queiram debater questões ambientais, hoje o principal flanco de desgaste do governo Bolsonaro.
O presidente da comissão também é frequentemente procurado por políticos de outros países em visita a Brasília e por diplomatas estrangeiros.
Uma das últimas visitas recebidas por Eduardo, em dezembro, foi a do deputado francês Nicolas Dupont-Aignan. Ele é líder do partido de ultradireita Debout la France e um dos mais veementes opositores do acordo comercial Mercosul-União Europeia.
A página oficial da comissão informou que ambos concordaram que “o movimento conservador precisa se fortalecer em todos os âmbitos”.
Pelas regras da Câmara, o filho do presidente da República já deveria ter deixado de ser presidente da comissão em 2020, mas a pandemia de Covid-19 impediu a realização de eleições nos colegiados.
O aliado de Eduardo mais cotado para pleitear o posto de novo presidente da comissão é o deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PSL-SP). Atualmente ele é vice-presidente do colegiado.
Procurado, ele afirmou que a escolha do sucessor do filho 03 de Bolsonaro depende do presidente da Câmara, do bloco e da liderança do PSL.
De acordo com interlocutores no Legislativo, as chances do grupo de Eduardo aumentam caso Lira seja eleito presidente da Câmara.
Esses interlocutores, no entanto, alertam que, mesmo assim, haverá dificuldades e que a competitividade de um candidato apoiado por Eduardo passa necessariamente por um entendimento interno no PSL –algo que até o momento não ocorreu.
Um deputado próximo a Eduardo destacou que o objetivo é lutar para manter a posição, mas reconheceu que a briga no PSL tem dificultado essa perspectiva.
O deputado Eduardo Bolsonaro não respondeu a pedido de entrevista feito pela reportagem.